São Paulo, segunda-feira, 27 de janeiro de 1997 |
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(In)feliz aniversário
JOSIAS DE SOUZA São Paulo - Às vezes não nos damos conta, mas trazemos uma criança enterrada na alma. Duvida? Pois reviste os seus porões. É batata. Há um menino sepultado em cada um de nós.No ano de 1927, Oswald de Andrade resolveu exumar o fedelho que jazia dentro de si. E, no livro "Primeiro Caderno do Aluno de Poesia", devolveu-lhe a voz. Chama-se "Brinquedo" um dos poemas escritos pelo garoto que emergiu das entranhas de Oswald. Fala de São Paulo. Uma São Paulo remota. São 11 estrofes. Eis o que diz a segunda: "Da minha janela eu avistava/ Uma cidade pequena/ Pouca gente passava nas ruas (...)". Na oitava estrofe, ainda pendurado na janela de sua infância, Oswald anotou: "Depois entrou no brinquedo/ Um menino grandão/ Foi o primeiro arranha-céu/ Que rodou no meu céu". Outro verso: "Do quintal eu avistei/ Casas, torres e pontes". E o desfecho: "Hoje a roda cresceu/ Até que bateu no céu/ É gente grande que roda (...). Súbito, a "pouca gente" de que falava o poema se fez multidão. Enxurradas de homens e mulheres escorrendo pelas calçadas. O "menino grandão", antes solitário, foi ganhando companheiros. Um mais espigado do que o outro. Um monturo de edificações. Impossível contar todas as casas, torres e pontes desde o quintal. A São Paulo de hoje dói nos olhos. Cansa a vista. A cidade perdeu o horizonte. Ou por outra: seu horizonte se encurtou dramaticamente. Roça-nos a cara. O horizonte é uma parede acinzentada. A São Paulo de hoje dói nos ouvidos. Em outros lugares, o barulho se põe junto com o sol. À noite, os tímpanos são passados a limpo. Aqui o silêncio é uma utopia. A São Paulo de hoje dói também no nariz. As pessoas não respiram, não cheiram. Elas são como que invadidas por fumaças e odores. A São Paulo de hoje, 443, velha disforme, não cabe mais na janela de uma criança. Texto Anterior: O SUCESSO TAMBÉM ENSINA Próximo Texto: O custo do plebiscito Índice |
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