São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 1997
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Nelson Rodrigues

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Conta Nelson Rodrigues que no tempo de Eça de Queirós, quando o articulista estava sem assunto, tinha uma solução genial: xingava o bei de Túnis. Em Túnis, havia sempre um bei, e era uma delícia arrasar alguém com a prévia certeza da impunidade.
Pois bem. Todo colunista tem de ter os seus beis de Túnis, os seus assuntos obrigatórios e recorrentes. No meu caso, um desses é o próprio Nelson Rodrigues. Como esta é uma coluna de economia, pode parecer estranha -e é estranha mesmo- a referência tão frequente a um escritor que nunca tratava de temas econômicos e que observava os economistas "com divertido horror". (Justificadamente, diga-se de passagem).
O leitor pode pensar que se trata de uma obsessão. Tudo bem. Osiris Lopes Filho -ele próprio um obsessivo- costuma dizer que sem idéias fixas não se faz nada na vida. Sem um mínimo de obsessão, o sujeito é vencido pelas gigantescas forças da inércia e simplesmente vegeta.
Mas o interesse da figura e da obra do Nelson Rodrigues está no seguinte: poucos tiveram uma percepção tão aguda da psicologia e das atitudes fundamentais do brasileiro, em especial na interação com as nações desenvolvidas. E só os inimigos ferozes do óbvio desconhecem que por aí passam sempre os caminhos e descaminhos da economia e da política nacional.
Nelson costuma dizer que o brasileiro gosta muito de ignorar as suas virtudes e de exaltar os seus defeitos, numa inversão do chamado ufanismo. É um Narciso às avessas, dizia, que cospe na própria imagem.
E, de fato, não é fácil encontrar na face da terra um povo tão humilde e com tantos problemas de auto-estima. Claro que a humildade não é necessariamente um vício. Afinal, como dizia Bernard Shaw, temos todos excelentes razões íntimas para não nos darmos muito valor.
O problema é que o brasileiro se deixa paralisar pela falta de auto-estima. Proclama a quatro ventos a sua humildade e, diante do americano ou do europeu, cai facilmente em inibições convulsivas. É o que o Nelson chamava de "complexo de vira-latas", ou seja, a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo.
Vejam, por exemplo os economistas, ou os jornalistas, ou os políticos brasileiros. A imensa maioria é anterior à abertura dos portos e mal consegue disfarçá-lo. A sua retórica é a da modernidade, do progresso, da abertura ao mundo etc. Mas o seu comportamento nos momentos cruciais, e até mesmo nas situações rotineiras, sempre trai a herança nítida, cristalina, indubitável da mentalidade colonial.
Eis aí uma das razões fundamentais da nossa crônica dificuldade de construir uma nação justa e dinâmica. E de consolidar o projeto nacional que tantos reclamam, há tanto tempo.
De Gaulle afirmava, com razão, que as nações não têm amigos, mas interesses. Num mundo como esse, os países que delegam a outros as suas decisões estratégicas, que não têm a autoconfiança necessária para definir e defender os seus interesses, que preferem pautar-se por falsos "consensos" e modismos cosmopolitas, estão condenados ao subdesenvolvimento e ao atraso. Só oferecerão condições favoráveis de vida à minoria dos seus cidadãos que servem como parceiros e prepostos das forças internacionais dominantes.
Não basta, portanto, vociferar contra os governantes do momento. O governo Fernando Henrique Cardoso faz parte da longa tradição brasileira, quase sempre hegemônica, de privilegiar a integração subordinada às tendências mundiais. É mais um episódio de falsa renovação, que não oferece perspectivas de superar as mazelas econômicas e sociais que marcam a nossa história.
Como dizia Nelson Rodrigues, enquanto pender do nosso lábio "a baba elástica e bovina da humildade", não encontraremos o impulso necessário para mudar o país. Continuaremos à deriva, na dependência de interesses estrangeiros e circunstâncias externas. Interesses que só por acaso coincidirão com os nossos e circunstâncias que só ocasionalmente nos serão favoráveis.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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