São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 1997
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Kiefer volta ao país, dez anos depois

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O artista plástico alemão Anselm Kiefer, 51, está voltando ao Brasil, dez anos depois de ter sido a sensação da 19ª Bienal, em São Paulo.
Kiefer chega ao país neste sábado. Vem examinar as instalações da galeria Camargo Vilaça, em São Paulo, onde realiza uma mostra em 1998, em data a ser definida.
O artista também deve ser convidado pelo MAM-SP para uma retrospectiva em comemoração aos 50 anos do museu paulista, em 1998. O convite deve ser oficializado em jantar para o artista no mesmo sábado, na sede da entidade, no parque Ibirapuera. Kiefer volta para a Alemanha no dia seguinte.
Anselm Kiefer já era, em 1987, um dos mais importantes nomes das artes plásticas contemporâneas, mérito que carrega até hoje.
Junto com nomes como o do norte-americano Julian Schnabel, do italiano Enzo Cucchi e do também alemão Georg Baselitz, Kiefer foi um dos responsáveis pela renovação e revitalização da pintura nos anos 80. Até mesmo os brasileiros sentiram esse novo sopro, e a pintura dominou a produção artística local durante toda a década.
Materiais
Apesar de pintor, Kiefer praticamente constrói seus trabalhos, com o acúmulo de materiais como chumbo, barro, palha, fios de cobre, sangue, fotografias e palavras escritas na tela. Na última exposição em Paris, no ano passado, trabalhou ainda com sementes e imagens de girassóis.
Os materiais caros a Kiefer se misturam e se confundem, acumulados em um mundo de memórias e enigmas, como testemunhas de lutas e conflitos. Também constrói livros e instalações, que reúnem seus livros e pinturas.
O interesse pela pesquisa de materiais vem da influência do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986), com quem trabalhou entre 1970 e 1972. Beuys lhe transferiu ainda o interesse pelo esoterismo e pela alquimia. Segundo os alquimistas, o chumbo, um dos materiais preferidos de Kiefer, tem características de transmutação. O chumbo é ainda o metal associado a Saturno, deus da fertilidade agrária e também da destruição.
Criação e destruição são temas recorrentes na obra do artista. "Toda arte tem que passar. Cada obra de arte destrói a que a precedeu", já disse.
Kiefer criou em sua obra um mundo de personagens mitológicos e históricos ambíguos, como Richard Wagner, Adolf Hitler, Albert Speer e Nero.
Na 39ª Bienal de Veneza, em 1980, por exemplo, quando foi o representante da Alemanha Ocidental, junto com Georg Baselitz, essas suas remissões foram lidas como identificação aos ideais nazistas. "O passado coletivo nazista forma o coração da identidade pessoal de Kiefer", escreveu o crítico Donald Kuspit.
Seu trabalho "Heróis Espirituais da Alemanha" homenageava personagens históricos, como Frederico, o Grande, e Richard Wagner.
"Quando cito Wagner, não estou me referindo ao autor dessa ou daquela ópera. Para mim, é mais importante a maneira como ele foi usado pelo Terceiro Reich e os problemas ligados a isso", disse na ocasião. Mas esse interesse inicial de Kiefer pelo passado da Alemanha e pelo futuro da cultura germânica passou, para dar lugar a problemas mais universais.
A obra de Kiefer sempre foi movida por um desejo metafísico, pela necessidade de se restaurar uma unidade do ser humano com o cosmos, algo concebido divinamente, mas que se perdeu. Trafega entre mito e história e pretende despertar o mundo de uma amnésia coletiva. "A história, para mim, é um material, como a paisagem, como a cor", disse à Folha em 1987.
Kiefer trabalha com temas que despertam polêmica. É um discurso engajado, resultado de um exercício artístico e político, também ambíguo, mas isso não o preocupa. "A ambivalência é tema central de minha obra", já disse.
A fotografia e a paisagem
Anselm Kiefer cria em seus trabalhos paisagens arquetípicas, que, apesar de partirem de uma experiência pessoal, se endereçam ao que é comum ao homem. A paisagem não é um local de contemplação e sim a evocação de personagens, mitologias, histórias e arqueologias pessoais e coletivas.
Mas o artista, assim como seu conterrâneo Dieter Appelt, não parte da observação para a construção de sua paisagem. Como disse Cézanne, a observação é apenas um dos elementos na definição do conceito paisagem.
Ao partir da fotografia -criação de uma imagem a partir da luz- para a confecção de uma nova paisagem, Kiefer retoma mais uma vez a busca da criação espontânea almejada pelos alquimistas. Sua atenção à paisagem também pode ainda ser um reflexo de um espírito romântico que percorre a arte alemã desde o século 18.

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