São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Explicações atrapalham 'A Sombra e a Escuridão'

MURILO GABRIELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O tenente John Patterson e o diretor de cinema Stephen Hopkins têm tarefas análogas a realizar.
A personagem de "A Sombra e a Escuridão", vivida por Val Kilmer, deve construir uma ponte para uma estrada de ferro de algum rincão perdido da África.
O maior obstáculo: uma dupla de leões que passa a selvagem e inexplicavelmente devorar seus trabalhadores.
Já Hopkins tem de construir um clima de constante terror em um filme sobre dois leões assassinos. O maior obstáculo: a necessidade de contar uma história da qual derive esse clima de tensão.
Os dois acabam por cair em armadilha também similar.
O tenente-engenheiro passa a se dedicar mais à caça às feras do que à obra sob sua responsabilidade. O diretor se preocupa demais em explicar e faz rarearem os momentos de tensão. Os seja, opta-se pelo acessório em detrimento do essencial.
Os melhores momentos de "A Sombra e a Escuridão" são propiciados pelas cenas com os leões. Conseguem impingir com eficiência medo ao público.
Basta que os felinos deixem a tela para que a peteca caia. Ninguém consegue se empolgar com a construção da tal ponte ou a saudade que Val Kilmer sente da família.
O maior dos problemas, entretanto, reside nas explicações para os ataques dos leões. Não se trata de saber se elas são boas ou não, se existem ou não. Trata-se de discutir se o filme deve contemplar isso.
Em "Os Pássaros", Hitchcock conduz o público de maneira a não ter tempo nem oportunidade de se questionar sobre o porquê dos ataques das aves.
Por mais que se tente, esse tipo de explicação sempre soará canhestra e inverossímil. O segredo reside, então, em desviar a atenção do público.
Hopkins, ao contrário, faz seus personagens divagarem o tempo todo sobre o comportamento dos leões. Além de enfadonho, esse blablablá levanta dúvidas indesejáveis na cabeça da audiência, que começa a olhar com desconfiança para as indestrutíveis bestas.
Há, também, a questão das personagens secundárias. Assim como os funcionários de Patterson, eles vêm e vão, sem muito motivo, com constantes mudanças de personalidade e função.
O melhor exemplo é o caçador (Remington) vivido por Michael Douglas -mais um coadjuvante que um co-protagonista, como sugere a publicidade de filme. Nunca se lhe consegue delinear uma persona, e sua anunciada saída de cena é um bom momento desperdiçado.
A dada altura, Remington olha para a obra inacabada e abandonada pelos operários dizendo: "Teria sido uma bela ponte". Poderia ter sido um belo filme.

Filme: A Sombra e a Escuridão
Direção: Stephen Hopkins
Produção: EUA, 1996
Com: Val Kilmer e Michael Douglas
Cinemas: Eldorado 2, Center Norte 1 e circuito

Texto Anterior: CLIPE
Próximo Texto: Garota de 4 anos carrega "Ponette"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.