São Paulo, sexta-feira, 3 de outubro de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Bob Dylan volta à origem em novo disco
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
O vendedor, skinhead com longas e finas costeletas, se adiantava ao pedido: "Dylan?", com a mão sobre uma pilha de cópias do CD "Time Out of Mind" (tempo doido), que começava a ser vendido. Para o setor intelectual e politicamente engajado da geração babyboom, por muito tempo Bob Dylan, 56, foi visto como um oráculo. As letras de suas canções eram submetidas a longas interpretações e, depois, usadas como ponto de referência para grandes decisões filosóficas pessoais. Após sete anos sem mostrar composições novas ao público e mais de 20 sem oferecer aos seus fiéis material para reflexões similares às dos anos 60, Dylan está de volta com toda a densidade. "Time Out of Mind" é um disco que já surge clássico. Musicalmente, é uma volta às origens do artista, um retorno às raízes do folk e do blues que primeiro o inspiraram. A produção prescindiu de aparato tecnológico sofisticado. Dylan e seu grupo de músicos, acústicos, foram ao estúdio e apenas tocaram e cantaram. Poeticamente, é o auto-retrato de um homem que encara de frente a passagem do tempo, a iminência da morte (no passado, Dylan foi premonitório em relação ao que aconteceria com a sociedade; desta vez, parece ter previsto o que aconteceria consigo, a grave doença cardíaca que quase o matou). "Queria que alguém viesse e recuasse o relógio para mim", "Tenho andado pelo meio de lugar nenhum, tentando chegar ao céu antes que fechem a porta" são alguns versos dessa busca do sentido do tempo empreendida por Dylan nas 11 faixas, quase todas perfeitas. A mais longa delas, "Highlands" (16,5 minutos), é um impressionante relato da procura pelo sentido da vida que tanto caracterizou o compositor e seus admiradores (um narrador diz andar por ruas em que "ninguém está indo para lugar nenhum", entrar num restaurante completamente vazio -"deve ser um feriado"). "Time Out of Mind" está sendo descrito como "mal-assombrado", "escatológico". Mas chega a ser otimista, por mostrar uma pessoa ainda à busca de respostas, apesar das frustrações acumuladas por 40 anos de respostas inconclusivas a perguntas fundamentais. Sincero, despojado ("Cada nervo do meu corpo está tão desnudado e amortecido/Que nem consigo me lembrar do que eu queria me livrar quando vim para cá"), apaixonado ("Quando te vi, não sabia se iria te beijar ou te matar"), Dylan volta a oferecer material para a gente pensar sobre a vida. Texto Anterior: Artista foi ambicioso Próximo Texto: Compositor está na moda Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |