São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Isenção privatiza verba pública, diz Receita

LUÍS COSTA PINTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, acha que conceder isenções fiscais é "privatizar o dinheiro público". Este ano o governo federal deixará de arrecadar R$ 15,3 bilhões com isenções concedidas a diversos setores empresariais.
Os benefícios fiscais ajudam desde fábricas de refrigerantes a universidades privadas, passando por montadoras de veículos e clubes de futebol, conforme reportagem da Folha revelou anteontem.
No próximo ano, a renúncia total de tributos federais pode chegar a R$ 17,2 bilhões -um aumento de 12,4% em relação a este ano.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Everardo Maciel à Folha:
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Folha - A política de isenções fiscais é socialmente justa e publicamente justificável?
Everardo Maciel - Não a defendo. Defendo a neutralidade do imposto de renda, seja ele sobre pessoa física ou sobre pessoa jurídica.
Isso quer dizer que os impostos não podem servir para finalidades extra-fiscais. Desenvolver determinadas regiões ou beneficiar setores de atividade industrial com isenções fiscais é um fim extra-fiscal. Imposto tem que ser simples e genérico, com base de cobrança mais ampla possível.
Os incentivos fiscais concedidos a empresas geram uma relação de dependência brutal para o empreendimento. É uma dependência de tal ordem que, cessado o incentivo, muitas vezes cessa o empreendimento. Desfaz-se o investimento. A isenção é a privatização do dinheiro público.
Folha - Como desenvolver regiões pobres do país, como o Norte e o Nordeste?
Maciel - Reconheço que o Brasil é um dos países com maior desigualdade regional do planeta. Não quero que o Estado fique alheio ao seu papel de impor regras compensatórias para sanar essas diferenças, mas não se faz isso com imposto.
Folha - E se faz como?
Maciel - Defendo a substituição dos incentivos por políticas explícitas de combate às desigualdades usando-se o Orçamento Geral da União. Com ele se pode destinar mais dinheiro público para criação de infra-estrutura no Norte e no Nordeste e melhoria de recursos humanos que, a longo prazo, tornem compensadores os empreendimentos industriais nessas regiões.
Por meio do Orçamento Geral da União o governo pode construir estradas, portos, aeroportos, escolas técnicas e profissionalizantes e dotar determinadas regiões do país da estrutura básica e torná-las atraentes.
Folha - Qual a história das isenções fiscais que beneficiam fábricas de refrigerantes e universidades privadas?
Maciel - Cada isenção tem sua história particular, tem a sua lei original. A soma de tudo deu nessa parafernália de renúncias fiscais.
Na década de 70, uma determinada fábrica de refrigerantes se beneficiou de uma lei federal que lhe concedia incentivos. Os outros fabricantes de refrigerantes reclamaram e obtiveram isonomia, numa guerra fiscal surda chamada 'Guerra das Tampinhas'.
No caso das universidades, é possível que alguém da administração federal tenha posto na cabeça que instituição de ensino superior não deveria dar lucro e determinou que todas elas seriam filantrópicas. Deu no que deu: o patrimônio de seus controladores cresceu à sombra dessas isenções, com aviões e carrões.
Folha - Que outro exemplo há de injustiça financiada por isenções?
Maciel - Muitos... Toda e qualquer isenção é de difícil controle por parte da Receita. As isenções induzem à evasão fiscal porque o controle é difícil e obriga o Estado a ter um enorme gasto com a sua estrutura de fiscalização.
Os clubes de futebol, por exemplo, têm isenções. Neles, não se encontrará distorções tão diferentes daquelas encontradas nas universidades privadas e nas fábricas de refrigerantes.
Folha - Quais os exemplos internacionais para reduzir desigualdades regionais ou incentivar indústrias que não sejam isenções?
Maciel - Na Alemanha, a discussão do momento é a redução de alíquotas para a ampliação da base de contribuição. Qualquer modelo de isenção gera um aumento na carga tributária de quem não se beneficia dela. Não há banquete de graça. Alguém paga a conta.
Folha - O ministro Pedro Malan (Fazenda) deverá ser convocado ao Congresso para explicitar quais os objetivos da política federal de isenções que beneficia empresas privadas. O senhor adiantaria esses objetivos?
Maciel - Prefiro que o ministro responda a esta pergunta no Congresso, quando for convocado. Mas o que uma política de isenções quer? Tentar fazer uma correção da distribuição de renda por meio dos impostos.
Folha - E isso dá certo?
Maciel - Muitas vezes não. Essa é a intenção, mas ela se distorce pelos caminhos da sonegação. O instrumento correto de redução das desigualdades regionais é o Orçamento Geral da União, e não os impostos.
Folha - A diretoria da Coca-Cola disse que, se o governo mudar a política de isenções da Zona Franca, pode tirar de Manaus (AM) a sua fábrica de xarope do refrigerante. É uma ameaça?
Maciel - Não faço comentários sobre estratégias empresariais de ninguém.

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