São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Sai livro sobre obra musical de sacerdote do período colonial

Padre José Maurício é tido como maior compositor da época

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil começa a recuperar a memória do maior compositor do período colonial. A Fundação Biblioteca Nacional lançou "José Maurício Nunes Garcia - Biografia", de Cleofe Person de Mattos.
Mattos, 84, é a maior autoridade no Padre José Maurício. Aluna de Villa-Lobos, fundou, em 1941, a Associação de Canto Coral, fundamental na divulgação do trabalho de compositores brasileiros. Sua biografia do padre-mestre é aguardada desde 1970, quando ela lançou o "Catálogo Temático" das obras do compositor.
Seu texto está longe de ter o sabor e a fluência de biógrafos como Ruy Castro e Fernando Moraes. Mas a meticulosidade da pesquisa, riqueza de notas de rodapé e minúcia na transcrição de documentos tornam a obra indispensável ao entendimento da vida musical brasileira no século passado.
O mulato carioca José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) já dava aulas de música aos 12 anos de idade. Virtuose do teclado, regente e orador brilhante, foi perseguido pelo estigma de sua cor durante toda a existência. Querendo ordenar-se sacerdote, em 1791, pede ao bispo da Sé do Rio de Janeiro "dispensa" do seu "defeito de cor".
A dispensa é concedida, mas o estigma não o abandona. Quando a corte portuguesa se muda para o Brasil, em 1808, e D. João quer fazê-lo mestre-de-capela. Os lusitanos se opõem, alegando seu "defeito físico" -o que não impede o príncipe regente, porém, de conceder-lhe o cargo.
Sua biografia é marcada ainda pela ligação clandestina com a "parda forra" Severiana Rosa de Castro, 22 anos mais moça que o padre, que lhe dá seis filhos.
Com peças para teclado, orquestra e uma ópera ("Le Due Gemelle", atualmente perdida), a produção do padre é eminentemente sacra, composta fundamentalmente por missas e motetes.
Até a chegada da corte, compõe em um estilo sóbrio, próximo do classicismo de Haydn -buscando usar do melhor modo possível os precários intérpretes à disposição.
Ao virar mestre-de-capela de S. João, entretanto, passa a ter à disposição os excelentes instrumentistas e cantores da Capela Real, trazidos de Portugal para o Brasil.
Seu estilo sofre forte italianização, que o aproxima do virtuosismo vocal de Jommelli, Cimarosa e, principalmente, Rossini. Os músicos que permitem a evolução estética, entretanto, são os mesmos que o hostilizam. A situação se complica com a chegada ao Rio de Marcos Portugal, o maior compositor luso da época, em 1811.
Mattos resiste à tentação de reproduzir o difundido mito de que Marcos Portugal, o "Salieri lusitano", teria conspirado contra José Maurício, o "Mozart mulato".
Deixa evidente, entretanto, que o compositor brasileiro passa a ser colocado em segundo plano em relação ao português.
A penúria vem com o retorno da corte a Portugal. José Maurício passa a "cozinhar, lavar, engomar", costurar e fabricar sapatos.
Em 1826, compõe sua última e mais conhecida obra -a "Missa de Santa Cecília". Debilitado, vai perdendo a capacidade até de reconhecer sua própria música quando é executada, e morre na miséria, em 1830, deixando um legado ainda hoje carente de ser descoberto e avaliado.

Livro: José Maurício Nunes Garcia - Biografia
Lançamento: Fundação Biblioteca Nacional
Quanto: R$ 20,00 (373 páginas)

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