São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Divergências impedirão avanço na discussão da Alca durante a visita

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O grande empreendimento conjunto em que estão empenhados Brasil e Estados Unidos (a Alca, Área de Livre Comércio das Américas) fará o papel de convidado de pedra na visita do presidente Bill Clinton ao Brasil.
Sabe-se que ele está presente, sabe-se que é importante, mas são tamanhas as divergências entre os donos da festa que é melhor nem falar do assunto.
Ou, mais exatamente, falar apenas dos pontos em que há coincidências. Por isso, Clinton e FHC certamente repetirão que os dois países estão empenhados em construir a Alca até o ano de 2005, tal como se comprometeram na primeira Cúpula das Américas (Miami, dezembro de 1994).
Repetirão igualmente o compromisso de "lançar as negociações" sobre a Alca na segunda Cúpula das Américas (Santiago do Chile, abril de 1998).
Só não poderão dizer o que, exatamente, se vai negociar.
"As negociações podem até ser formalmente lançadas, mas o processo negociador só pode começar mesmo quando os objetivos estiverem claros", diz José Alfredo Graça Lima, chefe do Departamento Econômico do Itamaraty.
Os objetivos até estão claros, mas são diferentes de parte a parte. Os EUA querem começar já a negociar a redução das tarifas de importação, de modo a que se chegue a 2005 com quase todas zeradas.
O Brasil prefere deixar essa etapa para depois de 2005, de forma a evitar o que o chanceler Luiz Felipe Lampreia define como "um segundo choque liberal" (o primeiro foi a abertura no governo Fernando Collor, a partir de 90, considerada "precipitada" por FHC).
Comércio divide
Não só a Alca, mas toda a área comercial, ponto principal da diplomacia planetária, ficará de lado, porque há muitos desacordos.
Em 1995, Clinton e Fernando Henrique Cardoso combinaram que os dois países promoveriam uma "revisão comercial bilateral". Ou seja, examinar quais os obstáculos para o comércio.
O lado brasileiro apresentou extensa lista de queixas, mas não conseguiu nem sequer que fossem aceitos pelo parceiro os critérios que davam base às reclamações.
Exemplo: os EUA impõem restrições à importação de aço brasileiro, desde o tempo em que a siderurgia era estatizada e, portanto, o aço fabricado embutia subsídios.
O governo brasileiro alega, com razão, que toda a siderurgia já foi privatizada. Mas não comoveu os parceiros.
"Eles têm uma visão rósea do quadro", chega a dizer o embaixador do Brasil em Washington, Paulo Tarso Flecha de Lima.
Como, segundo Paulo Tarso, "a brecha era muito grande" entre as duas posições, a revisão ficou sem um documento conclusivo.
Como se fosse pouco, o governo brasileiro não esconde o incômodo com o que considera estratégia norte-americana de desprezar negociações comerciais que envolvam todos os países representados na OMC (Organização Mundial do Comércio).
A Folha ouviu de autoridades brasileiras a queixa de que o governo norte-americano forçou, por exemplo, a assinatura do ITA (Acordo sobre Tecnologia da Informação, que cobre toda a área de informática).
O Brasil não aderiu porque o pacote oferecido não permitia flexibilidade nos prazos para zerar as tarifas de importação dos bens de informática ou na lista de produtos, que vai de supercomputadores a aparelhos de fax.
Com essa estratégia, acha o governo brasileiro, os EUA impedem a barganha. Ou seja, impedem que o Brasil ceda em um ponto em troca de concessões em áreas que são de seu interesse, como a agrícola, fortemente subsidiada nos Estados Unidos.

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