São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Classe média foi sacrificada no modelo chileno

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Está um pouco difícil para muita gente perceber que a estabilização, apesar das inúmeras vantagens cantadas em prosa e verso, pode embutir alguns paradoxos políticos. O principal é o que afeta as classes médias. Um bom exemplo é o caso chileno.
Um gráfico que ilustra o problema foi apresentado pelo economista Patricio Crichigno num seminário sobre o futuro do capitalismo, patrocinado na semana passada pela Fundação Konrad Adenauer e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília.
Os 40% mais pobres do Chile ficaram mais ou menos na mesma, nos últimos 30 anos. Ao mesmo tempo, os 20% mais ricos tiveram ganhos em termos de participação na renda nacional espetaculares. A vítima: os 40% que se poderia associar com a classe média.
O debate sobre distribuição de renda no Chile, aliás, ganhou intensidade nos últimos meses. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial fizeram comentários críticos. O governo reagiu. A questão está na mesa. Os dados, entretanto, parecem convincentes.
Colocando em números: a participação dos 40% mais pobres na renda flutuou entre -1% e 1% entre a década passada e a metade dos anos 90. Trocando em miúdos: apesar de todas as reformas, o crescimento econômico deixou os mais pobres no mesmo lugar onde estavam.
A classe média perdeu mais de 7% de sua participação no PIB nesse mesmo período. É isso mesmo: a classe média chilena está mais pobre do que há 25 anos. Já os mais ricos tiveram ganhos de nada menos que 20% na sua participação no PIB durante o período recente. Crichigno lembra ainda que 10% da população concentra 45,8% da riqueza chilena.
Crichigno não é um radical de esquerda nem tem alergia a empresas e empresários. Usa os dados oficiais do governo chileno e as publicações do Banco Mundial. É professor de negócios internacionais da Universidade Jesuíta Alberto Hurtado e do MBA do Loyola College, escola fundada em 1852 em Baltimore, nos EUA.
É também do Banco Mundial a constatação de que Chile e Brasil têm em comum algumas das piores desigualdades na distribuição de renda na América Latina. O padrão chileno atual compara-se ao da África do Sul, onde houve apartheid durante décadas.
Crichigno afirma que os dados continuam apontando para essa tendência de concentração de renda no Chile. Ele conclui de modo bastante pragmático: "acreditamos que a situação atual tem sérias implicações para a competitividade da empresa chilena". E pergunta: "de onde sairão os diretores e gerentes com qualidade mundial, tão necessários em nossos países, senão da classe média?"
No Chile, 75% dos impostos arrecadados são do tipo indireto (Imposto sobre Valor Adicionado, IVA), exatamente o tipo de imposto que o Ministério da Fazenda andou propondo nas últimas semanas como novo modelo para o Brasil. Junto com o imposto sobre combustíveis, isso coloca o sistema tributário chileno entre os que sobrecarregam a classe média.
Outro fator de longo prazo foi a proibição de negociação salarial coletiva, ditada nos anos do general Augusto Pinochet. A manutenção do sistema, segundo Crichigno, responde em boa medida pela tendência à concentração de renda. Paradoxalmente, portanto, uma medida que a princípio visava a fortalecer as empresas acaba criando uma economia débil, se se acreditar que o enfraquecimento da classe média prejudica até a competitividade das empresas.
Nunca é demais lembrar que a economia chilena cresceu de modo sustentado, durante 13 anos, a uma taxa anual da ordem de 7% (mais ou menos o dobro da taxa de crescimento que se espera para o Brasil em 1997 e mesmo em 1998).
Também é oportuno recordar que ainda hoje, mais de 40% das receitas de exportação chilenas dependem do cobre, mercadoria cujo preço tem sofrido uma deterioração acelerada nos últimos meses (queda internacional que afeta ainda a farinha de peixe e a celulose). Haja paradoxos.

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