São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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O novo paradigma da exportação

LUÍS NASSIF

Este mês, com a entrada em operação da empresa de seguro de exportações e o fechamento do acordo para licitação de uma fábrica de cinescópio, o país entra oficialmente na era moderna das formulações industriais e de comércio exterior.
É um início tímido, porém promissor, que demonstra as enormes potencialidades que existem na ação oficial como elemento indutor da reorganização do setor privado. Mas que não eximem o setor privado de uma atuação mais decidida e autônoma.
A seguradora surgiu a partir de estudos desenvolvidos por equipes do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Para entender os meandros do mercado internacional, os técnicos do banco passaram a visitar bancos que trabalham com agências de crédito à exportação e as próprias agências -tipo Coface, da França, e Hermes, da Alemanha.
Constataram que toda política de estímulo às exportações está baseada em financiamento e seguro de crédito.
A partir desses estudos, o BNDES passou a atuar como agente de financiamento. A agência de seguro de crédito surgiu de uma associação entre o Banco do Brasil, seguradoras privadas e a Coface, gigante francesa do setor e dona de um banco de dados mundial sobre comércio exterior.
Os instrumentos de financiamento -ainda sem o seguro- foram testados vitoriosamente em duas operações, que se transformaram em marco dessa nova era: a da usina Três Gargantas, na China, e a licitação para aviões vencida pela Embraer.
Licitações internacionais
Três Gargantas é uma hidrelétrica licitada pelo governo chinês 50% maior do que Itaipu, correspondendo a investimentos da ordem de US$ 1 bilhão.
Participaram da licitação empresas francesas, espanholas, canadenses, japoneses, russas e coreanas.
Três consórcios liderados por empresas brasileiras ganharam encomendas. O BNDES entrou com financiamentos da ordem de US$ 202 milhões -correspondentes ao valor dos equipamentos, acrescidos de juros capitalizados e comissões- que entrarão na forma de "suppliers credit", financiando diretamente o importador.
Já a Embraer conseguiu vender 67 aeronaves -42 confirmadas e 25 opcionais- em operação acima de US$ 1 bilhão. Da licitação participaram sete países - entre os quais Canadá, França, Espanha, Alemanha, Suíça e Noruega.
O resultado foi rateado entre alguns países, mas a parcela brasileira foi relevante.
Reorganização
Apenas mecanismos institucionais serão insuficientes se o próprio setor privado não aprender a se organizar e a conquistar uma visão internacional mais ampla.
Nesse sentido, a operação cinescópio pode ser considerada um marco como reorganização setorial visando o mercado externo.
Já há algum tempo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, vem trabalhando no conceito de "adensamento da cadeia produtiva". Ou seja, para o país ser competitivo, não cabe ao governo definir quais setores deverão ser protegidos, como era do feitio das políticas anteriores.
Mas identificar os setores mais promissores e, dentro da cadeia produtiva, tratar de fortalecer os elos mais frágeis, por meio de mecanismos de indução a uma atuação mais coordenada do próprio setor.
O crescimento do consumo após o Plano Real transformou o Brasil em um dos maiores mercados de televisores do mundo.
Incumbida de analisar o setor, a economista Lídia Goldenstein constatou, em conversa com os industriais, que o elo fraco da corrente eram os cinescópios -cujas importações poderiam chegar a US$ 500 milhões anuais.
Reuniu-se, então, com os três maiores fabricantes nacionais -Phillips, CCE e Gradiente.
A partir desses estudos foi lançada uma licitação internacional, visando atrair um grande fabricante ao Brasil.
Ao vencedor será oferecido um protocolo de intenções, assegurando financiamento do BNDES, e garantia de que as três empresas irão adquirir 60% da produção.
De sua parte, o vencedor se comprometerá a fabricar integralmente o cinescópio (inclusive o vidro), exportar 20% de suas produção, garantir preços internacionais internamente, trazer tecnologia e proceder a "upgrades" tecnológicos.
Sendo bem sucedida ou não, essa operação vai criar um novo mecanismo a ser utilizado por outros setores.
Próximos passos
São operações relevantes por serem pioneiras, mas ainda insuficientes para relançar as exportações brasileiras, permitindo romper o gargalo dos constrangimentos externos.
A característica principal do atual momento econômico é permitir o exercício da imaginação e da busca de novas soluções.
Nos exemplos citados não se criou nenhum superorganismo estatal, incumbido de administrar todos os problemas.
Tratou-se apenas de estabelecer a conexão entre vários atores já existentes na economia -o BNDES, o BB, as seguradoras privadas, os fabricantes etc. É justamente isso o que se espera das organizações empresariais. Nesse sentido, cabe às federações e associações empresariais uma contribuição mais decisiva e menos burocrática para esse processo.
Estão na obrigação moral, seja perante o país ou perante seus associados, de implementar uma política mais efetiva de reestruturações setoriais, visando o comércio externo.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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