São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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Leia os pronunciamentos e as entrevistas com os presidentes

DA REDAÇÃO

Pergunta - Sr. presidente, voltando um pouco à questão da ministra da Justiça, Janet Reno, e a sua investigação. O sr. pode nos dizer o seguinte: toda essa questão, esse caso todo complicou o seu relacionamento e a sua possibilidade ou capacidade de funcionar com a sua ministra da Justiça? Por exemplo, o sr. não está falando com ela, não quer falar com ela porque não quer ter muito contato com ela?
Clinton - Bom, eu não tenho nada a acrescentar ao que eu já disse ontem a esse respeito. Eu acho que todos os srs. podem chegar às suas próprias conclusões. São capazes disso e avaliar se isso equilibra ou desequilibra o nosso sistema político. Eu acho que não devemos discutir isso aqui. O mais importante é que nós temos uma lei, temos um processo de investigação. Esse processo de investigação deve prosseguir com integridade, a lei tem que ser aplicada sem qualquer tipo de pressão, de uma forma ou de outra. Eu estou fazendo o meu papel Espero que os outros também façam os seus.
Pergunta - Presidente Fernando Henrique, eu peço licença para fazer uma pergunta ao presidente Bill Clinton e peço licença para fazê-la em português. A sua visita foi precedida de um enorme mal-estar diplomático. Houve a divulgação de um documento que qualificava de endêmica a corrupção brasileira. Esse documento foi comentado pelo embaixador americano, que só piorou, digamos assim, a situação. O presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro reagiu, outras autoridades brasileiras reagiram, como o presidente do Senado Federal, como o próprio governador do Distrito Federal reagiram também a outras questões que foram consideradas excessos da sua segurança e da sua assessoria. Foram qualificadas até de truculentas pelas autoridades brasileiras. Enfim, não só as autoridades brasileiras, mas a opinião pública brasileira reagiu. O país se sentiu maltratado. Eu gostaria de saber do sr. se o sr. considera que houve exageros ou erros diplomáticos na preparação da sua visita?
Clinton - Em primeiro lugar, eu só soube desse documento e da definição da cultura brasileira depois que esse documento tenha sido divulgado. O documento estava errado. Representou um erro inacreditável de julgamento de quem o redigiu. Foi totalmente, decisivamente, rejeitado por todas as autoridades americanas, começando com o embaixador aqui no Brasil, e esses trechos foram eliminados do documento. Eu lamento muito que isso tenha acontecido, mas, às vezes, de vez em quando esse tipo de coisa acontece também no Brasil, alguém que trabalha para algum ministério coloca alguma coisa no papel que não deve ser colocado em papel. Eu só peço ao povo brasileiro que não pense que isso é o sentimento do governo e, muito mais importante, que isso é o sentimento do povo americano pelo Brasil. Eu quero garantir aos srs., assegurar aos srs., que nenhum brasileiro ficou mais chateado com isso tudo do que eu fiquei, eu próprio. Eu achei que foi terrível e eu imediatamente ordenei que isso fosse concertado.
Agora, quanto à preparação para a viagem, eu realmente não tenho dados concretos. Eu sei que nós, historicamente, devido a problemas que sempre afetaram aos nossos presidentes, aliás, eu devo acrescentar, no nosso próprio país esses incidentes aconteceram. Então, por causa disso, a segurança de um presidente americano muitas vezes pode parecer a outros rígida demais e muito intransigente, mas, como eu disse, nós nunca tivemos problemas de segurança com os nossos presidentes no estrangeiro (...). Eu espero que os srs. entendam isso, mas eu quero que o nosso pessoal trabalhe com a maior colaboração possível em todos os países que eu visito. É só isso que eu posso dizer, eu não conheço os fatos específicos.
Pergunta - Presidente, o sr. fica encabulado quando essas perguntas sobre a questão dos fundos de campanha o acompanham nas visitas ao exterior?
Clinton - Bom, eu não posso me envergonhar com o julgamento que os outros fazem. Eu não tenho controle nenhum sobre as perguntas que vocês decidem fazer. A decisão é de vocês e não minha. Eu acho que essa é uma pergunta que você deve fazer a outras pessoas, não a mim. Eu não tenho nada a ver com essa pergunta que foi feita. Eu acho que outros, às vezes, em outros países, ficam se perguntando: o que está acontecendo? Principalmente quando todos percebem, todos sabem que não houve nenhum pedido de coisa nenhuma que não fosse legal. Não houve uma atitude que fosse errada. Agora, isso cabe a vocês. Eu não posso me envergonhar pela maneira como você faz o seu trabalho. Você tem que decidir as perguntas que faz ou não.
Pergunta - Eu gostaria de fazer uma pergunta primeiro aos dois presidentes: há uma crítica entre as pessoas que acompanham as relações entre o Brasil e os Estados Unidos que esses problemas que nós temos tido recentemente são exacerbados pelas burocracia dos dois países, por causa da falta de um envolvimento maior dos presidentes, dos líderes? Eu gostaria de saber se os srs. aceitam essa crítica.
Presidente Clinton, existe a impressão no Brasil de que os Estados Unidos têm dificuldade de ser uma superpotência, e a única superpotência, a tratar com uma potência emergente das Américas, que também está reafirmando a sua liderança ou afirmando a sua liderança como um mercado aberto, livre e uma democracia. O ex-secretário de Estado, Kissinger, me disse recentemente que realmente os Estados Unidos terão que se adaptar, pois não estão acostumados a isso. Terão que se adaptar intelectualmente a isso. Eu gostaria que o sr. discutisse essa questão. Será que esse nosso papel de potência emergente preocupa, chateia os Estados Unidos?
FHC - Bom, no que diz respeito à parte que me toca, eu estava tão satisfeito que as partes mais delicadas eram sempre para o presidente Clinton e não para mim, mas no que diz respeito à parte que me toca, o envolvimento nosso, do presidente Clinton e meu, tem que ser um envolvimento no nível dos temas gerais, que interessam aos nossos países. Eu tenho certeza que um ou outro problema burocrático sempre pode existir. Se existir, aí nós resolvemos com muita facilidade também. Eu acho que o problema de burocracia se dissolve com o calor das nossas reações diretas e pessoais. Acho que isso vale mais do que qualquer eventual problema burocrático, que nós entendemos. O caso de problema de segurança, os brasileiros por sorte estão desacostumados a ameaças maiores. Num caso de todos países, e muito menos um país como os Estados Unidos, que têm experiências difíceis, no nosso caso aqui, embora a segurança esteja sempre atenta -eu quebro todas as regras de segurança, sempre que posso-, e não acontece, até agora, pelo menos, as coisas estão muito tranquilas. E elas vão continuar tranquilas no futuro, mas eu creio que não houve nada que pudesse deixar de ser resolvido pela maneira absolutamente simpática, aberta, com que o presidente Clinton e a sra. Hillary tem se comportado no Brasil, demonstrando a todos os brasileiros que a visita deles é uma visita que se faz de coração aberto.
Clinton - Eu quero responder às duas perguntas que foram feitas. A pergunta que o sr. fez ao presidente brasileiro, eu acho que a resposta à sua pergunta é o seguinte: as pessoas que trabalham nas burocracias de governo do mundo inteiro estão simplesmente seguindo políticas já estabelecidas e também adquiriram interesse na manutenção dessas políticas. A maioria desses burocratas não têm autoridade para modificar as políticas. Portanto, por isso é que é importante esse relacionamento pessoal, que é nossa responsabilidade. Se nós quisermos, realmente, modificar os rumos do nosso país, não compara aqueles que trabalham para nós, principalmente, aqueles que são nomeados por nós, que passam de uma administração para outra, e sim tentar estabelecer instruções diferentes, mandar mensagens diferentes. É por isso que, às vezes, eu acho que, com o devido respeito, os membros da imprensa, talvez até o nosso próprio público, diga: bom, por que eles gastam tanto dinheiro para essa viagem ao exterior? Todo dinheiro que nós gastamos para vir aqui, todo dinheiro que o governo brasileiro está gastando para nos receber, por que eles fizeram isso? Eles não assinaram nenhum contrato assim que modificou o mundo, mas é justamente isso o que o sr. disse: nós temos que aumentar a nossa compreensão, entendimento, nossa sensibilidade e até modificações sutis de posicionamento podem enviar mensagens para aqueles que estão na hierarquia do governo, que terão que implementar essas decisões. Eu acho que a sua pergunta foi muito pertinente.
Segunda questão, se os Estados Unidos no final da Guerra Fria, como única superpotência, se sentem ameaçados pela emergência do Brasil como uma potência? O Brasil ou qualquer outro país. A resposta à sua pergunta é justamente o contrário: eu apóio a emergência de países para um papel mais forte de liderança, desde que compartilhe dos nossos valores básicos. Não concordem com tudo, mas que tenham compromissos com a liberdade, com a democracia, com sistemas abertos de comércio. Se estiverem comprometidos em dar a todos a oportunidade de participarem da economia global. Se tiverem uma atitude global para com o meio ambiente, a questão ambiental, para com o terrorismo, proliferação de armas, crimes transfronteiriços, sindicatos de crimes, tráfico de drogas e assim por diante. Se esses países tiverem compromisso com isso, eu não vejo isso como uma competição, e sim mais países emergindo para assumirem mais responsabilidades. Se trabalharmos juntos, eu acho que os benefícios vão ser muito maiores.
Eu vou dar um exemplo. Quando eu me tornei presidente, houve uma questão que foi a seguinte: se os Estados Unidos se oporiam à um acréscimo à Otan, na Europa, ou se haveria uma força militar na Europa independente da Otan. Eu não vejo ameaça, porque acho que isso é uma competição. Eu acho que a maior parte das ameaças, no futuro, essas ameaças não virão de países propriamente ditos, e sim de guerrilhas terroristas, drogas, crimes, problemas de doenças, problemas ambientais. As ameaças virão daí. E como as oportunidades que os países têm de se beneficiar vão exigir uma colaboração, uma cooperação transfronteiriça, nós vamos ter que mudar o nosso conceito de poder nacional, de influência nacional. O poder e influência nacional se adquirem através de uma cooperação maior, de uma coligação maior com daqueles que são independentes, mas que precisam ser alinhados com o seu país. Eu acho que isso vai exigir uma mudança muito grande de enfoque da política não só nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro também.
Pergunta - O sr. falou ontem no avião no Air Force One, e desde então nós fomos informados que a Casa Branca e o Departamento de Justiça estão negociando para que o sr. possa conversar com os investigadores a respeito dos fundos de campanha. O sr. chegou a esse acordo e em que condições o sr. falaria com o seu Departamento de Justiça?
Clinton - Eu não sei, eu não tenho informação nenhuma sobre isso. Ninguém me falou nada sobre isso, eu não tenho nada a acrescentar ao que eu já disse ontem.
Pergunta - Sr. presidente Fernando Henrique, o Brasil defende uma negociação com a Alca e quer complementos à Lei de Acordos Tarifários. Claramente, que complementos são esses, desde que o Brasil observe o calendário da implantação da Alca?
E para o presidente Bill Clinton: ontem à noite o sr. se confessou sensibilizado pelo Brasil há 30 anos. Essa sensibilidade está a ponto de apoiar a candidatura do Brasil ao Conselho Permanente da ONU e levar o Brasil a tomar assento no Grupo dos Nove no ano que vem?
FHC - Olha, eu vou quebrar um pouco de novo com a regra e pedir para o Mário Rosas, que está levantando a mão, que faça uma perguntinha adicional só, rápida.
Pergunta - Duas perguntas para os dois presidentes. O governo americano quer que o Brasil abra o seu mercado, mas há muitas restrições contra os produtos brasileiros como suco de laranja, aço. A minha pergunta é a seguinte: por que os Estados Unidos não alteram essa situação? Por que mantém essa situação e não permitem um acesso aberto para muitas empresas?
Como o governo brasileiro vê essas diversas restrições não-tarifárias contra produtos brasileiros praticadas pelo governo americano?
FHC - Primeiro eu vou responder a questão relativa ao que seria adicional à questão da Alca. Eu creio que o presidente Clinton expôs com muita clareza o pensamento dele a respeito do significado dessa proposta de integração hemisférica e colocou de um modo que eu acredito que é o correto, ou seja, trata-se não apenas de uma questão de tarifas, pensando algumas tarifas, não apenas de tarifas, mas trata de um conceito mais amplo, e está mostrando que existe aí uma relação política, e que essa relação política está embasada em valores, numa vontade comum de manter a paz, de controlar o tráfico de drogas, de evitar a criminalidade internacional. De modo que nós não estamos discutindo apenas comércio. Tanto é assim que nós propusemos aqui que nessa reunião que tivemos aqui esses dias, e teremos mais ainda, que o assunto principal fosse educação. E lá em Santiago eu vou insistir no tema da educação, porque só tem sentido pensar-se generosamente, como é o caso de qualquer idéia que mova os povos, uma proposta quando essa proposta vai além das tarifas. Tarifa é para especialista e para interessado, diretamente para o país no seu conjunto, por causa da sua economia, mas os países tem muito mais em comum ou em desacordo do que tarifas. No nosso caso nós, estamos propondo uma melhoria concreta da condição de vida dos nossos povos. A idéia integradora é uma idéia que tem como pressuposto maior igualdade.
Eu acho que é essa visão. O presidente Clinton sempre disse aqui tem o mesmo tipo de abordagem, e nós não queremos limitar a questões para as quais não se requer sequer encontro de presidentes, em reuniões técnicas se resolvem. Nós estamos aqui para expressar e simbolizar mais do que isso uma vontade de democracia e de maior igualdade. Num país como o Brasil , que não tem por quê esconder seu problemas, sobretudo, seus problemas sociais -e que são muitos- tem muito interesse em melhorar a condição de vida do povo e tem muito interesse que no nosso acordo com os outros países, no Mercosul ou fora do Mercosul, que esses acordos tenham essa visão mais ampla que acabou de ser mencionado pelo presidente Clinton.
Quanto às questões específicas que nós temos, aqui foram mencionados o aço, o suco de laranja, os calçados. O presidente Clinton para qualquer país da América que ele viaje, ele vai encontrar problemas iguais. E o governo tem mais problemas, porque também os japoneses têm, os franceses têm, os ingleses têm, todos os povos têm. À medida que nós avançamos e estamos avançando, sobretudo nós brasileiros, que temos uma industrialização crescente, é claro que haverá problema de competição. É claro que caberá em um dado momento alguma arbitragem que não pode ser meramente política. Mas, se nós colocamos a questão específica num contexto mais amplo de entendimento, torna-se mais fácil resolver essa questão específica. Eu não deixei de conversar com o presidente Clinton nem ele comigo sobre os pontos específicos da agenda de reivindicação dos nossos países. Alguns foram aqui citados, e outros que não foram citados. O presidente Clinton fez a mesma coisa. Quando voltar para os Estados Unidos, lá ele vai ser perguntado: o sr. falou de tal assunto? Não vou nem dizer qual é. De tal assunto, de tal outro assunto, não é? Ele vai dizer: sim, falei. E o que o presidente da República lá disse? Ele disse que vai ver com consideração. E a mesma coisa o presidente Clinton me disse: vamos olhar com muita atenção e juntos trabalhar para resolver essas questões específicas.
Clinton - Eu quero repetir: de maneira geral os Estados Unidos têm uma estrutura tarifária mais baixa do que qualquer outro país do mundo e menos restrições ao comércio do que a União Européia. Eu espero que nós possamos eliminar essas últimas arestas que ainda existem. Se se pensar no tamanho dos nossos países e como eles são complicados -nós temos um comércio de mais ou menos US$ 23 bilhões por ano-, então o número de contencioso é relativamente pequeno e eu acho isso muito positivo.
Eu não vou ignorar a sua pergunta aí sobre as Nações Unidas não. Em primeiro lugar, o sr. deve saber que o Brasil foi eleito hoje para dois anos no Conselho de Segurança. Felicidades ao Brasil e felicito ao presidente também. É uma honra. Os Estados Unidos acham que o Conselho de Segurança tem de ser ampliado, que um assento permanente deve ser dado à América Latina e que as nações da América Latina é que devem decidir como e quem vai preencher esse assento no Conselho de Segurança. Eu acho que essa é uma área que não cabe a nós dizer aos latino-americanos como fazer ou o que fazer, mas eu espero que venhamos a ter sim esse assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas para a América Latina. Eu acho que isso vem sendo discutido. Como o sr. me perguntou sobre a emergência do Brasil como potência, eu repito a mesma coisa. Quanto mais houver uma posição estável na América Latina, globalmente eu acho que melhor vai ser para todo mundo.
Pergunta - Com base nos seus comentários de ontem no avião presidencial, nós vimos que o sr. recebeu informações sobre os vídeos que vão já ser divulgados. Há alguma coisa nesses vídeos que o preocupem?
Clinton - Não, eu acho que é a mesma coisa que já foi vista. Como eu já disse, vocês que vão a todas as reuniões onde nós pedimos dinheiro para a campanha, os vídeos vão ser a mesma coisa. Vocês já viram a coisa ao vivo, os vídeos vão só repetir o que os srs. já viram pessoalmente. Vai ser até chato.
(...)
FHC - Os jornalistas brasileiros e americanos aqui presentes à disposição do presidente Clinton de responder tão abertamente, a insistência dele na questão climática, que eu creio que é fundamental para que possa agregar que, no caso do Brasil, nós temos uma crise energética limpa. Estamos usando muita eletricidade e, agora, o gás, estamos integrando as nossas fontes de energia em toda a América do Sul e, portanto, nós temos boas condições para um diálogo positivo no que diz respeito à questão climática. Muito obrigado a todos vocês.

A tradução simultânea para o português de perguntas e respostas foi realizada pela GloboNews

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