São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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Leia os pronunciamentos e as entrevistas com os presidentes

DA REDAÇÃO

Bill Clinton diz que o Brasil exerce um papel de liderança no continente

Leia os pronunciamentos e asentrevistas com os presidentes
Leia abaixo a íntegra dos pronunciamentos de Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton e trechos da entrevista coletiva com os dois presidentes.

Fernando Henrique Cardoso:
Sr. presidente dos Estados Unidos William Clinton, srs. aqui presentes, sras. e srs.
Eu queria dizer, em primeiro lugar, do imenso prazer com que eu e Ruth recebemos o presidente Clinton e Miss Clinton e ao dar o testemunho da nossa satisfação -eu creio que o povo brasileiro todo se junta a nós- eu creio também que o modo mesmo pelo qual nós nos relacionamos deixa transparecer com muita tranquilidade a amizade que une os presidentes e os interesses comuns que os nossos povos têm, e que nós estamos dispostos a trabalhar para que esse interesse se transforme em caminhos práticos de aproximação entre as nossas sociedades.
Tivemos várias oportunidades para conversar praticamente sobre todos os problemas que nos trouxeram a este encontro, desde os problemas mais gerais que dizem respeito à paz do mundo, à possibilidade de nossa ação conjunta em várias situações que requeiram uma atitude mais direta tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil, não apenas na nossa região, mas intercambiamos informações e opiniões sobre vários problemas a nível internacional, e podemos registrar uma ampla coincidência no objetivo comum que é o de aumentar a prosperidade dos povos. É nossa convicção também de que a possibilidade há de ser generalizada. Que nada leva a crer que a prosperidade de um país será em detrimento da prosperidade do outro, pelo contrário, nós estamos convencidos que a prosperidade do Brasil é boa para os Estados Unidos e vice-versa. Nós temos sólidas relações comerciais, os Estados Unidos constitui o parceiro número um nas nossas trocas comerciais, mas o Brasil é também, como nós gostamos de dizer, um ``global tradder". Temos relações com o Mercosul, com outros países do nosso continente, com a Europa, com a Ásia e com a África, e é dentro dessa compreensão, da globalidade das nossas relações, que os nossos entendimentos estão tendo lugar.
Reafirmamos o nosso compromisso tanto no sentido da valorização das experiências de integração como estamos fazendo no Mercosul, que, como é sabido, constitui para o Brasil um ponto importante da nossa política e constitui um exemplo de sucesso e integração entre países de tal maneira que Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, e agora Chile e Bolívia, de alguma maneira estamos entendidos nas matérias principais no que diz respeito ao comércio e no que diz respeito à manutenção da democracia e da paz. Entendemos também que nós estamos juntos na formação de uma grande integração hemisférica, que não será feita em detrimento dos nossos interesses no Mercosul nem em detrimento dos interesses dos países que constituem o Nafta, mas que será feita essa integração com o sentimento já expresso de que a prosperidade de todos é o que melhor convém a cada um.
Por outro lado, também, ficou bem claro que há muitas coincidências, até mesmo pessoais, no modo pelo qual nós encaramos os problemas dos nossos países, e o exemplo disso é que nós aqui hoje estamos assinando documentos que dizem respeito a uma questão social que é a educação. Eu fiquei extremamente estimulado -já disse isso em mais de uma oportunidade- quando tive a possibilidade de ver a apresentação do discurso do presidente Clinton no ``State of the Union", quando ele falava sobre educação. Aquilo que entusiasmou como professor que fui a vida toda e como pessoas que somos os dois que acreditamos que a educação é um instrumento de equalização interna na sociedade e melhoria de condições de trabalho para as nossas populações e, por consequência, de diminuição das diferenças e das assimetrias que possam existir entre os nossos países.
Reafirmamos neste encontro todo o nosso compromisso com a questão educacional como um símbolo da nossa preocupação com as questões sociais. A integração que nós estamos buscando, seja a nível regional, sub-regional ou quando seja oportuno mais ampla, é uma integração sem exclusões, sem exclusões de países e sem exclusões de segmentos dentro dos países. É uma integração para promover a melhoria das condições gerais de vida dos povos.
Também pudemos passar em revista as questões fundamentais que dizem respeito ao problema climático, às mudanças climáticas. O presidente Clinton tem uma visão que me parece muito adequada no que diz respeito a esse problema. A visão de uma responsabilidade compartilhada, uma responsabilidade que não pode excluir nenhum segmento da humanidade, porque essa é uma questão que diz respeito à preservação das condições de vida das gerações futuras, e é natural que busquemos, portanto, um caminha de redução sobre tudo o que diz respeito ao efeito estufa, no caminho de redução da emissão de gases, mas que sejam compatíveis com os objetivos de desenvolvimento de todos os países, dos Estados Unidos como do Brasil, assim como dos demais países em desenvolvimento, e que se encontre uma fórmula equilibrada que permita efetivamente desenvolver essa questão. É o que buscaremos em Kyoto, em dezembro próximo.
Estamos também ampliando a nossa cooperação no terreno espacial, numa demonstração clara da possibilidade que existe hoje de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos em matéria de tecnologia avançada.
Não quero ocupar demasiado o tempo, mas queria reafirmar que o fato mesmo de nós termos abrangido uma gama muito ampla de tópicos, de não termos evitado nenhum tópico, até porque nós hoje podemos nos entender mesmo sobre o que nós não estamos de acordo, que são poucas questões. E normalmente não são os nossos países que não estão de acordo, são interesses específicos nos nossos países que nós defenderemos com muita energia, como é natural, mas também com aquela franqueza que a relação antiga que nós já temos entre Brasil e Estados Unidos permite.
Quero repetir aqui o que disse há pouco na reunião no Palácio do Planalto: nunca, desde a Segunda Guerra Mundial, houve tanta possibilidades de cooperação em terrenos tão amplos quanto às possibilidades que se abrem agora para os Estados Unidos e para o Brasil. Portanto, eu só posso estar muito contente ao me dirigir, através da mídia, aos povos dos nossos países para reafirmar a imensa satisfação que temos de receber esse grande presidente Bill Clinton entre nós.
*
Bill Clinton:
Muito obrigado, senhor presidente. Deixe eu começar agradecendo ao senhor e à senhora Cardoso pela recepção calorosa de seu governo, inclusive à minha extensa delegação, com membros da nossa administração, do nosso ministério e da delegação também do Congresso. É um prazer muito grande estar aqui. Eu acho que essa visita marca uma nova fase na longa e tradicional amizade entre Estados Unidos e Brasil. Obviamente é um momento singular de oportunidades na América Latina. Uma revolução silenciosa está transformando o nosso hemisfério em termos de democracia e mútua cooperação e comércio.
Isso nos dá a oportunidade de levar à frente o bem-estar social e a segurança dos nossos povos como nunca antes. Como nós temos as maiores economias e as populações mais diversificadas no hemisfério, o Brasil e os Estados Unidos, ambos os países têm uma capacidade especial e responsabilidade especial de liderarem as Américas num certo ritmo.
Sob a presidência do presidente Fernando Henrique Cardoso o Brasil está chegando a esse seu destino de grande nação, de grande potência, através das reformas econômicas, das suas parcerias estratégicas com a Argentina, sua liderança no Mercosul, em todo o hemisfério, em todo continente e também no mundo de maneira geral.
O Brasil está ajudando a consolidar a paz, a democracia, a promover a estabilidade e a prosperidade. O Brasil e os Estados Unidos compartilham a crença comum de que a abertura de mercados e o fortalecimento desses mercados são a melhor maneira de fortalecer a cooperação entre nossos países.
Há três anos, quando nos reunimos na cúpula das Américas, em Miami, nós nos comprometemos a estabelecer uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca) já no início do próximo século. Hoje, o presidente e eu concordamos que na próxima reunião de cúpula, em Santiago do Chile, nós vamos lançar negociações amplas e equilibradas para transformar essa agenda comum em plano de ação comum.
Eu gostaria agora de falar algumas coisas a respeito do que eu acho que causou, talvez, alguns desentendimentos entre os nossos países. A questão da atitude norte-americana com relação ao Mercosul e a relação entre o Mercosul e o nosso apoio à Alca especificamente. Eu apóio o Mercosul. Eu acho que o Mercosul foi uma coisa positiva para o Brasil e para todos os seus países-membros. Foi uma coisa positiva para a estabilidade, para o crescimento e para a coordenação no hemisfério e também foi muito bom para os Estados Unidos. As nossas exportações para os países do Mercosul aumentaram substantivamente desde 1991, e nós cremos que esses blocos de comércio regionais, se servirem para abrir fronteiras, para promover o crescimento e aumentar o comércio, vão promover a segurança e a estabilidade, o que vai beneficiar as Américas. Nós achamos que a Alca é coerente com a existência do Mercosul e com o papel de liderança que o Brasil exerce nesse hemisfério. Então, para mim, a escolha é falsa, seria uma opção falsa, nós não pretendemos pedir ao Brasil ou à Argentina que optem por um ou por outro. Estamos querendo que todos esses países sejam membros da Alca.
Desde que eu me tornei presidente dos Estados Unidos, em janeiro de 1993, nós aumentamos em um terço o nosso comércio externo, e eu estou tentando ampliar isso mais, criando mais empregos, conseguindo com o Congresso a possibilidade de negociar na área comercial para derrubar as barreiras alfandegárias e aduaneiras para podermos criar mais empregos no mundo inteiro.
Eu gostaria de dizer que, à medida que nós estamos promovendo a maior abertura comercial, mercados mais abertos, eu acho que todos nós temos que trabalhar mais ainda para estender todos esses benefícios e vantagens às populações.
Nenhuma democracia fechada conseguiu fazer isso ainda, e nós temos que garantir o treinamento, a educação para que os nossos povos tenham sucesso, e eu aplaudo a ênfase que o presidente Fernando Henrique dá à educação. Nós acabamos de assinar um ato a respeito de educação, e o enfoque é tentar transformar e avançar mais o sistema educacional dos nossos dois países. Nós temos que verificar o que as crianças estão aprendendo, em que estado estão aprendendo. Nós temos que treinar os nossos professores para que estes, a quem nós entregamos o futuro dos nossos filhos, estejam bem preparados. Nós queremos também o engajamento dos pais e das comunidades. E, em quarto lugar, o que o presidente vem fazendo com muito afinco, procurando dar acesso à tecnologia nessa era da informação. Isso para todos os nossos filhos.
Nos Estados Unidos nós queremos que até o ano 2000 todas as nossas bibliotecas escolares estejam ligadas à Internet. Nós estamos dando descontos às nossas escolas para que entrem, tenham acesso à Internet, e estamos fazendo uma coisa que provavelmente vai acontecer no Brasil também. Muitas vezes, as maiores vantagens, os benefícios dessas revoluções tecnológicas irão para as crianças que estão, em geral, marginalizadas em zonas rurais, e que não têm oportunidade de uma escola, de um ensino que as nossas crianças urbanas têm. Então eu acho, portanto, que a Internet nos ajudará a democratizar e também elevar à excelência, ao grau de excelência, o ensino em nossas escolas.
Concordamos também que nós não podemos ter o progresso hoje às custas do amanhã. O presidente falou do nosso compromisso compartilhado sobre o meio ambiente. Esse acordo sobre energia limpa vai ajudar o Brasil a crescer nas tecnologias mais limpas, mais ecológicas. Nós vamos tentar proteger as áreas, os manguezais, como os Everglades, nos Estados Unidos, e o Pantanal brasileiro. Nós compartilhamos do compromisso brasileiro de preservar a Amazônia, que é um dos habitats mais diversificados e mais ricos do mundo inteiro. Os Estados Unidos vão contribuir com mais US$ 10 milhões aos esforços feitos pelo Brasil para promover a preservação das florestas tropicais.
Nós estamos também apoiando pesquisas brasileiras no espaço. As queimadas que existem na Amazônia aumentam a emergência, a urgência dessas medidas. E os efeitos climáticos do El Niño, tanto na América do Sul e nos Estados Unidos, também trouxeram uma nova urgência aos nossos esforços conjuntos.
Nós, como disse o presidente Fernando Henrique, nós discutimos esse desafio que é a mudança climática. Há cinco anos, no Rio de Janeiro, a comunidade global começou a estabelecer um plano mundial para eliminar as mudanças climáticas ou reduzir essas mudanças que levam ao aquecimento mundial ou ao efeito estufa.
Eu disse ao presidente Cardoso que os Estados Unidos vão atender a esse compromisso, limitando as nossas emissões poluentes, quando nós nos encontrarmos em Kyoto, em 6 de dezembro próximo. Mas nós temos esse compromisso, e o mundo em desenvolvimento terá que cumpri-lo também. Portanto, o aquecimento global é um problema que exige uma solução global. Então, a questão é a seguinte, na minha opinião -eu gostaria de abordar isso um pouco porque acho que é uma questão muito importante: eu acho que é extremamente importante que a população brasileira entenda que, da mesma forma que ocorre com o Mercosul com a questão do comércio externo, os Estados Unidos jamais fariam qualquer sugestão ou recomendação que pudesse vir minar ou solapar o desenvolvimento do Brasil.
Nós temos apenas 4% da população mundial em termos de um nível de vida muito alto. Nós só poderemos manter o nosso nível de vida se o Brasil crescer. Se o Brasil crescer, e se nós pudermos fazer mais da população para a cidadania, isso vai ser bom não só para o Brasil, mas também para os países vizinhos, para os Estados Unidos, para o mundo inteiro. Portanto, a nossa estratégia é apoiar agressivamente, fortemente, o crescimento das economias emergentes do mundo inteiro.
O fortalecimento das suas democracias é a nossa possibilidade de colaborarmos e cooperarmos. Eu não acho que uma pessoa razoável possa olhar o mundo hoje e imaginar o mundo de amanhã e acreditar que as Américas ou que os Estados Unidos possam ganhar alguma coisa com a perda econômica de algum país. Nós temos que encontrar uma forma de crescermos juntos. Da mesma maneira, o mundo não vai ganhar nada se alguns países limitarem as suas emissões que causam o efeito estufa e os outros países continuarem a crescer com a mesma matriz energética, de forma que o clima continue a crescer mais e piore esse efeito estufa que está crescendo mais do que nos últimos 10 mil anos. O que nós temos que fazer é encontrar uma maneira de que os países em desenvolvimento encontrem o caminho do desenvolvimento dentro desse arcabouço, dessa estrutura que será discutida em Kyoto, mas todos nós temos que participar. Temos que ser muito explícitos, queremos ser muito explícitos. Qualquer participação do Brasil não deve ser à custa do seu desenvolvimento econômico. Nós temos a possibilidade agora, os países em desenvolvimento têm a possibilidade de crescer de uma maneira mais racional. Se nós compartilharmos os nossos conhecimentos, o nosso know-how, nós podemos fazer. Isso é muito importante. O Brasil já fez muito para provar isso, para comprovar isso. Porque o Brasil já desenvolveu vários combustíveis alternativos, combustíveis de bases biológicas para a frota brasileira. Eu espero que esse tipo de iniciativa seja abraçado e adotado por todos os países em desenvolvimento no mundo inteiro, e eu estimularia isso.
Finalmente, nós conversamos em termos de aumentar a nossa cooperação, em termos de segurança também. Eu quero elogiar o Brasil como um país garantidor desse processo de paz e agradeço ao Brasil pela decisão histórica de assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e também o Tratado Contra os Testes Nucleares. O Brasil é uma base de paz e segurança. O tratado que nós assinamos hoje vai nos ajudar a reduzir a produção de drogas, o tráfico de drogas e vai nos ajudar a lutar contra o crime transnacional.
O presidente Cardoso, há dois anos, quando me visitou na Casa Branca, disse o seguinte, eu estou citando: a vocação do Brasil e dos Estados Unidos é estarem juntos. Eu acho que nós estamos juntos hoje como jamais o fizemos antes. Os problemas que nós enfrentamos são problemas centrais para os nossos dois povos. A fé nesse hemisfério com democracias fortes, com compromisso contra as drogas, o futuro das nossas economias, a preparação dos nossos povos, das nossas populações para o século 21. É para isso que eu estou aqui. São todos objetivos que nós compartilhamos e que são importantes realmente para o cidadão comum dos nossos dois países e para todo esse continente. Muito obrigado.

Pergunta - É a questão do levantamento de fundos de campanha, sr. presidente, que o Ministério da Justiça americano está investigando isso. O que o sr. acha disso? Esse perigo que está sob a sua cabeça nos próximos seis dias?
Clinton - Bom, eu não estou pensando nada. Existe uma lei e existem fatos, e eu acho que seria muito melhor se deixassem que a nossa ministra da Justiça fizesse seu trabalho. Eu não fiz nada. Não fiz nada de errado. Eu fiz todo o possível para cumprir a lei, mas, como eu disse ontem, o que eu não estou gostando é essa tentativa aberta de politizar todo esse processo, colocar pressão junto à pessoa envolvida nisso. Há uma lei, existe um processo de investigação, e eu vou colaborar com esse processo dentro de todo o possível.
Folha - Uma pergunta para os dois presidentes. Uma formulação um pouco diferente para o presidente Clinton: até que ponto a aproximação recente entre a União Européia e o Mercosul afeta o modo como o sr. formula as suas estratégias comerciais para as Américas?
Para o presidente Fernando Henrique a pergunta é: qual a importância relativa da Europa para a estratégia comercial do Brasil em comparação com os Estados Unidos?
Clinton - Bom, em primeiro lugar, se eu estivesse aqui no Brasil, eu tentaria vender o máximo possível para os Estados Unidos e para a Europa também. Eu acho que é assim que funciona o mercado. Tanto a União Européia como os Estados Unidos vêm aumentando as exportações para o Brasil e para os países do Mercosul nos últimos anos, não? Foi um aumento significativo, importante, então eu não me vejo ameaçado. Mas eu quero que nós estejamos competindo plenamente. Se não estivermos competindo plenamente, será culpa nossa. Não culpa do Brasil nem da Europa. É por isso que eu estou procurando obter a aprovação do ``fast track", para que eu possa negociar. Então, os Estados Unidos têm de ser um país totalmente competitivo. Nos últimos dois anos, pela primeira vez em muito tempo, mais de metade dos nossos novos empregos têm sido em níveis salariais mais altos, e isso devido à nossa política agressiva, de novas oportunidades comerciais. Eu estou pronto a competir, eu só quero ter uma chance justa de competir com justiça. Eu não vejo nada de errado nisso. Se eu estivesse na posição do Brasil, eu estaria tentando vender mais para todo mundo.
FHC - Eu acredito que o que disse o presidente Clinton nos ajuda. Quanto mais competição entre Estados Unidos e Europa pelo comércio, melhor para nós, porque barateia os produtos. Por outro lado, a verdade é que o Brasil tem hoje como seu principal cliente individual os Estados Unidos, mas a União Européia, no seu conjunto, importa e exporta um pouquinho mais que os Estados Unidos. Nós somos, como eu disse -apenas repito- ``global tradders". Nós temos comércio orientado para várias partes do mundo e estamos ansiosos por aumentar o nosso comércio. Com relação aos Estados Unidos, nós ampliamos muito e, infelizmente, até agora, nessa ampliação nós estamos acumulando déficits e nós vamos rever essa situação. Nós precisamos equilibrar nossa relação em proveito mútuo, aumentando as exportações e aumentando as importações. O comércio não pode ser um ``zero-sum-game", não pode ser quando um ganha e o outro perder. Tem que ser uma relação em que todos possam ganhar. É nesse sentido que nós vamos levar a nossa política comercial com a Europa. É muito ativa, continuará sendo ativa, e eu compartilho com a opinião do presidente Clinton, nós não podemos pensar esses blocos como fortalezas isoladas. São feitos para aumentar, para intensificar o comércio, e nós vamos tomar todas as oportunidades que tivermos para intensificar as nossas vendas no exterior. E sem fechar a nossa economia, porque é uma das condições da nossa competitividade, do aumento do nosso progresso tecnológico e também, como já disse, do barateamento dos produtos que leva ao barateamento do custo de vida.
Pergunta - Sr. presidente, na Venezuela suas negociações falaram de fontes alternativas de energia. O sr. aqui também discutiu a questão de fontes limpas de energia para evitar a poluição da água e assim por diante. Nos Estados Unidos, o sr. acha que há possibilidade de melhorar a questão de incentivos energéticos e a redução das emissões? O sr. acha difícil discutir isso no exterior também?
Clinton - Não, porque eu acho que as coisas não são incoerentes uma com a outra. Eu tenho a responsabilidade nos Estados Unidos de realizar o processo, a política de conversão energética. Nós, há 20 anos, começamos a tratar disso quando os nossos especialistas subestimaram o volume de reservas de gás natural que nós teríamos nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Nós achávamos nesse época que podíamos passar para uma tecnologia de carvão limpa, mas agora vemos que a decisão foi errada. Aqueles que tomaram a decisão, há 20 anos, a tomaram com base nas evidências que tinham, na comprovação que tinham. Então, nós estamos voltando agora a verificar o gás natural e outras formas energéticas mais limpas. E nós temos de falar da conservação outra vez. Se vocês estivessem na reunião sobre a mudança climática em Georgetown, há algumas semanas, veriam que nós aprendemos que dois terços de todo calor gerado na produção de energia elétrica é desperdiçado. Se nós pudéssemos recuperar esse calor, nós poderíamos realizar uma capacidade imensa de crescimento sem ter que acrescentar mais nem um único poluente em termos de gases que causam o efeito estufa no mundo inteiro. Então, temos que fazer toda esse revisão, essa verificação outra vez. Mas eu quero reiterar uma coisa: o que eu quero tentar fazer é ajudar os países em desenvolvimento a crescerem economicamente o mais rapidamente que puderem, mas não são as opções energéticas que nós, países já desenvolvidos, tivemos quando estávamos nos desenvolvendo. Eu acho que é óbvio, é claro que isso pode ser feito. É um problema. Na China, por exemplo, hoje em dia as doenças brônquicas são o problema de saúde número um na infância. Eu quero, portanto, que a economia chinesa cresça, que a população prospere, mas eu acho que eles devem fazer uma opção energética diferente. No futuro nós podemos ajudá-lo, queremos ajudá-los porque senão -não importa o que os países desenvolvidos fizerem- daqui a 30 anos, 40 anos, estaremos no mesmo lugar ou pior do que estamos agora.
Pergunta - Eu tenho duas perguntas para os dois presidentes. Para o presidente Clinton: desde 1995 ambos os governos vêm trabalhando sobre a revisão das políticas comerciais, uma revisão bilateral, mas até agora não houve nenhum resultado concreto. A percepção é que o Brasil ainda está reclamando muito das barreiras comerciais desejando um maior acesso, um tanto mais amplo ao mercado americano. Eu gostaria de saber se os dois presidente agora tem alguma orientação nova para uma base nova nessas relações comerciais bilaterais?
Para o presidente Fernando Henrique eu gostaria de perguntar: se não houver o ``fast track", o Brasil estaria disposto a negociar a Alca? Caso não haja o ``fast track", o sr. acha que haveria uma continuidade na negociação da Alca, e, se não houver, se o Mercosul teria esse papel então de principal ator no comércio regional?
FHC - Bem, eu não queria fazer nenhuma aposta sobre a política americana. Se vai haver ou não vai haver o ``fast track" é um problema dos Estados Unidos. Eu estou acreditando que o presidente Clinton vai ter condições de aprovar o ``fast track". Agora, a integração, tanto o Mercosul quanto a integração hemisférica, são processos que interessam às nossas economias independentemente das condições políticas que vão permitir mais rapidez ou menos rapidez. Eu creio que o presidente Clinton foi muito claro quando disse da concepção que ele tem do Mercosul e da Alca. Não são contraditórios. Não é uma oposição. Há a condição de que nós tenhamos o tempo necessário para que possamos nos preparar para a competição. É a única questão. Aqui é uma questão de procedimento de tempo que nós temos condições plenas de conversar, de chegar a um entendimento. Então, com ou sem ``fast track", a questão que se coloca é a seguinte: é bom ou é ruim aumentar o comércio internacional? A resposta é que é positivo o aumento do comércio internacional. Então, o resto são, digamos, condicionamentos, mas os objetivos estão traçados. Nós vamos manter todo o nosso empenho na consolidação do Mercosul e, simultaneamente, na preparação da Alca. Nós temos um compromisso, assinado em Miami -eu não assinei, mas fui testemunha, porque eu lá estava gentilmente convidado pelo presidente Clinton quando era presidente eleito. É um compromisso, e não só um compromisso, é uma disposição nossa de ampliar as nossas bases de comércio. Agora, aqui já foi dito, nessa questão da Europa, quanto dos Estados Unidos, comércio é comércio. Nós temos que ver ponto a ponto. O que interessa, o que não interessa, quais são os interesses afetados, como se resolve os interesses afetados, de que maneira se constroem situações que possam beneficiar as partes envolvidas. Então, é um longo processo de construção.
Clinton - Em primeiro lugar, eu quero acrescentar alguma coisa ao que o presidente já disse. Uma coisa na qual eu acredito, e na qual eu acho que ele também acredita. Se nós pudermos prosseguir com essa área de descoberta das Américas, isso vai ser outra forma também de estabilizar as democracias nos países menores do hemisfério, assegurando a esses países que se continuarem no caminho da democracia e das reformas, as suas populações vão também auferir os benefícios financeiros e econômicos, de sorte que é importante que o Brasil assuma um papel de liderança nessa questão do acordo. Eu espero que o Brasil o faça, porque nós primeiro estamos discutindo economia. Mas a economia é a que vai sustentar, vai ser a sustentação da liberdade, das liberdades e da democracia. Agora, sobre a questão do comércio especificamente, nós examinamos todos os problemas comerciais que o Brasil tem com os Estados Unidos e os contenciosos que os Estados Unidos têm com o Brasil. Obviamente nenhum de nós dois aqui realiza, na verdade, concretamente, as negociações comerciais. Em alguns casos, são questões difíceis e que já estão, inclusive, superadas, mas nós estamos dando instruções às nossas partes para que resolvam essas questões o mais rápido possível. São irritantes, são elementos irritantes no nosso relacionamento. Então, são uma força negativa, e não positiva, num contexto mais amplo. Nós queremos decidir isso de uma vez por todas.

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