São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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Quem votou em Pitta que engula mais esta

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Volto de Buenos Aires, onde passei o fim-de-semana tentando esquecer que acabo de completar 40 anos, e leio que, contrariando os planos de Mário Covas, a prefeitura pretende tombar a penitenciária do Carandiru para transformá-la em centro cultural.
É para rir ou para chorar?
A partir de outubro de 1998, o governo do Estado quer transferir os 9.520 presos do Carandiru para 21 presídios no interior. O governador planeja implodir o cacareco do Carandiru e vender a área com a finalidade de obter recursos para construir novos presídios.
Mas, impregnada da mesma mentalidade progressista que tombou aqueles casarões horrendos da avenida Paulista, aqueles, sabe, que pertenciam aos novos-ricos do começo do século e que de valor histórico e artístico não têm nem mesmo o insignificante pingo de um i, a prefeitura estuda a possibilidade de "preservar" a penitenciária.
E para rir ou para chorar? A idéia é tão ridícula que só posso chegar à conclusão de que existe alguma outra finalidade atrás dela. Idéia, aliás, apoiada por luminares como José Eduardo Ramos Rodrigues, representante da OAB no conselho da Conpresp (conselho municipal responsável pela preservação do patrimônio) e pelo presidente da Câmara, Nelo Rodolfo, do glorioso PPB de Paulo Maluf e Celso Pitta. Não entro nem mesmo no mérito de que o Carandiru deve estar infestado por cupins e que sua reconstituição pode vir a custar os olhos da cara. Ou que dá frio na espinha só de pensar em assistir a um espetáculo ou apreciar uma exposição em um local em que a morte macabra de 111 presos ainda está fresca na memória.
Mas, imagine por um só momento, ó nobre leitor, que você é um policial; alguém que vive ou trabalha ao lado de uma delegacia superlotada ou a mãe de um detento.
Como você se sentiria ao saber que a prefeitura está mais interessada em dar uma cartada de marketing do que em ajudar a resolver um dos mais graves problemas do país?
Nada contra centros culturais, claro. Mas espero que a CNBB, tão preocupada em difundir a idéia de que homossexuais devem ser respeitados desde que não pratiquem o homossexualismo, lembre-se da campanha da fraternidade em defesa da dignidade dos presos e solte os cachorros em cima da culta prefeitura.

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