São Paulo, sábado, 18 de outubro de 1997
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Ação tem mais que dinamite e carros

BIA ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BERKELEY

Ação é o marco zero do cinema, de qualquer cinema. Nos últimos dez anos, entretanto, o rótulo ação se tornou um "toque de Midas" de consequências perversas.
Gera receitas fabulosas para produtores, diretores e astros, mas também paralisa. Os espectadores "crentes", os adeptos, grudam na poltrona sob o influxo de adrenalina provocado pelas perseguições, lutas, explosões. Os "descrentes" bocejam de tédio e amaldiçoam a barulheira, ambos efeitos das mesmas perseguições etc.
Tudo isso aí em cima para dizer: "O Pacificador" é sim um filme de ação, tem sim explosões, perseguições e lutas, mas também consegue usar as imagens em movimento (em outras palavras, ação) para contar a história e não apenas para detonar sensações.
Ou seja, a diretora Mimi Leder fez um filme de ação utilizando mais do que dinamite e carros: ela achou uma forma de usar também a sutileza, o gosto pelos detalhes, as citações e até mesmo algum trabalho de interpretação dos atores.
Inclusive pela negativa. O canastrão George Clooney, por exemplo, ficou com poucas chance de lançar mão dos recursos habituais dos "músculos sem cérebro": o humor esperto, os ataques de "macheza" e a sedução. Por outro lado, Leder deixou Nicole Kidman à vontade nas expressões de pânico, horror, aflição diante das mortes e dos tiros, como um espelho para as reações do espectador.
O roteiro também ajuda, é certo. Um comboio carregando armas nucleares é sequestrado por terroristas bósnios com a ajuda de um general russo mercenário.
A cientista nuclear Julia Kelly (Nicole Kidman) e o agente de inteligência Thomas Devoe (George Clooney) são designados pelo governo norte-americano para resgatar as armas. O propósito final do roubo só vai ser entendido no quarto final do filme, na melhor tradição de filmes de espionagem e, de novo, reserva uma surpresa: o vilão, por assim dizer, não cabe na noção rasa de "bad guy".
Para além do roteiro acima da média e de alguns diálogos realmente inteligentes, a novidade é que "O Pacificador" permitiu um trabalho de direção de fato autoral. Nem é tão novidade: Alfred Hitchcock, citação explícita da diretora, já tinha feito isso com o suspense. Mas Mimi Leder aproveitou a oportunidade, surpreendentemente bem para uma estréia. Não só criou imagens de puro cinema, como toda a longa sequência inicial, como resgatou o filme de ação da hiperatividade paralisante.
(Ah, sim, respondendo aos "crentes", é claro que funciona. Tem russo. Tem bomba. Tem soco. Tem contagem regressiva).

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