São Paulo, sábado, 18 de outubro de 1997
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A sociedade e o ensino superior

JACQUES MARCOVITCH

No plano estratégico de qualquer boa universidade, o estudante deve ser um alvo principal de preocupações. É o desempenho do alunato que define, perante a sociedade, a visão de futuro da instituição.
Evidentemente, no rol das variáveis para esse bom resultado, incluem-se a existência de ambiente favorável para o jovem delinear seu projeto de vida, o zelo pelas condições de trabalho dos professores e um processo mais racional de avaliação.
Para resumir o que tudo isso representa, bastam duas palavras: compromisso social. Esse, não outro, é o primeiro dever da universidade pública.
Alguns, fora da universidade, imaginam tal compromisso ligado ao fim da gratuidade no ensino superior. Supõem, erradamente, que, se os alunos pagassem para estudar na Universidade de São Paulo, o Estado pouparia recursos para o ensino básico, que estaria milagrosamente salvo em função dessa transferência orçamentária.
Surpreende que entre os defensores da panacéia figure o presidente do Banco Central, um economista obrigado, por dever de ofício, ao cuidado mínimo de fazer as contas.
Se as fizesse corretamente, ele não cometeria os lamentáveis equívocos de sua entrevista à Folha publicada no último domingo. Chegaria à conclusão elementar de que os recursos decorrentes do pagamento de anuidades seriam irrisórios no orçamento de uma universidade como a USP, voltada simultaneamente para a pesquisa, o ensino e a extensão.
Registre-se ainda, para orientação contábil do entrevistado, que os custos da implantação de ensino pago na USP acabariam zerando a modesta receita adicional eventualmente proporcionada ao erário.
Se houve deslizes na entrevista de Franco, erros grosseiros de cálculo também figuram no manifesto da Associação Nacional de Universidades Particulares, publicado em matéria paga. Ali se diz que o custo médio anual de cada aluno do sistema privado é de R$ 2.800. Isso pressupõe a ilusão de que as boas universidades daquele sistema estejam cobrando menos de R$ 250 por mês. Risível, para dizer o mínimo.
Todos os países desenvolvidos optaram, no início de seus processos, pelo ensino superior público. Tal caminho foi ditado pelo entendimento progressista de que a formação de profissionais e o avanço da ciência interessam mais à nação do que ao indivíduo.
A idéia de corrigir desníveis sociais pela extinção da universidade pública é, no fundo, o oposto de sua premissa. Encerra o propósito de reduzir o papel solidário da instituição e convertê-la em nicho exclusivo de segmentos que estão muito acima da classe média.
Quando se diz que a USP é elitista porque estudantes que podem pagar beneficiam-se da gratuidade, cria-se um falso dilema.
Na verdade, importa muito mais saber o papel social que os estudantes exercerão depois de formados. Devemos trabalhar agora para que os nossos alunos venham a ser, no futuro, verdadeiros agentes de mudança.
A presença da USP na sociedade é mais relevante que a presença de um grupo social de alta renda em seu corpo discente. Temos em São Paulo um sistema universitário eficiente, público e gratuito, formado por USP, Unicamp e Unesp, que tem servido como paradigma para as demais instituições de ensino superior.
As razões aqui expostas não eximem a universidade pública e gratuita de autocrítica. Não há instituição isenta desse dever. Tomemos, por exemplo, a questão agrária. A universidade deveria ter captado melhor os sinais emitidos pela sociedade nessa área e decodificá-los em seus fóruns adequados, observando as demandas merecedoras de prospecções transdisciplinares.
Outros exemplos, de igual relevância, pedem engajamento da universidade na formulação de políticas públicas. Dentre eles, o baixo índice de licenciatura de professores para as escolas de primeiro e segundo graus e a impactante relação tecnologia-emprego.
O desemprego estrutural é o maior problema da sociedade contemporânea, principalmente no Brasil. Não há como a universidade furtar-se ao dever de estudá-lo e oferecer alternativas.
O que não tem cabimento é virar o problema da exclusão de cabeça para baixo, eliminando, em nome de sua dramaticidade, uma instância decisiva para o encaminhamento da solução.

E-mail: jmarcovi@usp.br

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