São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Sem-terra encerram megaacampamento

BERNARDINO FURTADO
ENVIADO ESPECIAL A ITAQUIRAÍ (MS)

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) fechou anteontem com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) um dos mais importantes acordos da história recente dos conflitos de terra no país.
Com o acordo, deve começar amanhã em clima pacífico o desmonte do maior acampamento de trabalhadores sem terra do Brasil, montado na fazenda Santo Antônio, em Itaquiraí, em Mato Grosso do Sul.
Os sem-terra serão instalados em caráter provisório numa área vizinha, somando 4.200 hectares, abrangendo as fazendas Santa Rosa e Jatobá, que o Incra considerou improdutivas e vai desapropriar.
Além das dimensões espetaculares do problema social representado pelas mais de 7.000 pessoas esfomeadas sob barracos de lona, sendo 800 crianças de até 7 anos, segundo estima o MST, o acampamento se tornou um foco permanente de conflito com fazendeiros e empresários da região.
"O acordo foi um grande passo na reforma agrária em Mato Grosso do Sul", afirma Egídio Brunetto, líder nacional do MST, que atua no Estado.
Segundo ele, embora a nova área não dê para assentar sequer 10% dos acampados, eles terão espaço para agricultura de subsistência até que o Incra consiga desapropriar mais fazendas na região.
Os acampados de Itaquiraí, a maioria bóias-frias do Estado e "brasiguaios" (agricultores brasileiros estabelecidos no Paraguai), invadiram pela primeira vez a fazenda Santo Antônio em 8 de março último e batizaram o acampamento com a data da invasão.
Despejados da fazenda em 13 de abril, por força de uma liminar de reintegração de posse obtida pelos proprietários, a família Bertin, os sem-terra migraram para as margens da rodovia BR-163, a cerca de 30 km de distância.
A mudança abriu a fase de maior radicalização dos sem-terra. Alegando ser a única alternativa para matar a própria fome, eles saquearam em abril quatro caminhões que passavam na rodovia, carregados de frango, carne bovina desossada e arroz. E, no início de agosto, abateram a tiros gado da Fazenda Mestiço, situada nas imediações do acampamento.
O movimento reconheceu o abate de 42 vacas, mas, segundo os donos da Mestiço, pelo menos 110 cabeças de gado foram roubadas pelos sem-terra.
Uma nova liminar de reintegração de posse, obtida pelo DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), e a forte pressão do governo de Mato Grosso do Sul e do Incra levaram os sem-terra a deixar a beira da estrada e invadir novamente a Santo Antônio em 9 de setembro.
Dizendo-se ludibriados pelo Incra, os líderes locais do MST prometeram resistir a um segundo despejo judicial, abriram trincheiras ao redor do acampamento, passando a fazer ensaios diários de reação a um possível cerco da Polícia Militar.
Com a fome amenizada por 2.164 cestas básicas fornecidas pelo programa Comunidade Solidária, os sem-terra continuaram sendo acusados de matar gado alheio.
"Em um mês, encontrei 36 bois baleados, 31 ossadas e notei o desaparecimento de 156 cabeças de gado", diz Antônio Ribeiro, 48, vaqueiro da Santo Antônio.
A advogada Sueli Ermínia Belão Portilho, contratada pela família Bertin, também acusa os sem-terra de depredarem a reserva florestal da Santo Antônio, colhendo palmito, cortando madeira e caçando capivaras.
José Mauro, o Pipoca, líder de maior visibilidade do 8 de Março, nega as acusações. Segundo ele, as armas de fogo foram banidas do acampamento na segunda invasão da Santo Antônio. "A única arma de fogo que tem aqui é a carabina calibre 22 que tomamos de um jagunço da fazenda", diz.
Pipoca alega que os sem-terra só têm retirado galhos e árvores mortas da reserva florestal e não mataram animais silvestres ou bois.

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