São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Ex-garoto de rua sonha ser fotógrafo

ANDRÉ LOZANO; PAULO GIANDALIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-garoto de rua Antonio Leonardo Duarte Pereira, 18, o Léo, deposita em uma câmera fotográfica a esperança de mudar de vida.
Nesta semana vence a segunda prestação no valor de R$ 56 da sua câmera fotográfica Pentax Espio 738. Para Léo, conseguir terminar de pagar as seis parcelas da câmera nas Casas Bahia significa mais do que adquirir de fato um bem de R$ 336; simboliza o marco da mudança de vida que ele se propôs.
Há 15 dias, Léo estava sendo fotografado pelo repórter-fotográfico da Folha Paulo Giandalia, que fazia reportagem sobre a violência policial contra menores de rua, no centro de São Bernardo, quando contou que também era fotógrafo.
O garoto disse que gostaria de contar a sua história e o fotógrafo lhe entregou três filmes para que fotografasse seu cotidiano. O resultado está publicado nessa edição. "Foram as primeiras fotos que tirei com a minha câmera. Esses são os primeiros filmes meus que consigo ver revelados. Fiz outros, mas não tinha dinheiro para revelar", diz o garoto.
Infância
Em 1992, com apenas 13 anos, Léo sentiu que perdia espaço para praticar seu ofício em Juazeiro do Norte (Ceará) -tomar conta de carros em frente a uma pizzaria da cidade. Um grupo de meninos de rua o expulsou de seu "ponto".
Abalado com a perda da fonte de renda e inconformado com a separação recente de seus pais, o menino chamou a mãe e a convenceu a rumarem, com a irmã de 16 anos e o irmão de 9, para São Paulo, onde seriam esperados por outro irmão.
O dinheiro curto da família obrigou os quatro itinerantes a pegar carona em uma "cegonha" (caminhão que transporta carros). "Viajamos quatro dias dentro do Gol que estava sendo levado do Ceará para São Paulo", conta.
Quatro dias depois de terem chegado na maior cidade do país, a família sofreu o primeiro contratempo. O irmão mais novo de Léo sofreu um acidente. Foi atropelado e teve de ficar seis meses com as duas pernas engessadas.
Sem emprego, Léo, a mãe e os irmãos passaram a sobreviver com a ajuda de um grupo religioso. "Eles davam comida e roupas."
Em São Paulo, o garoto conheceu um rapaz que tinha uma banca de camelô no centro de São Bernardo (Grande SP). "Comecei a trabalhar com ele. Como vendia bem, fui convidado para trabalhar em uma banca de jornais lá perto."
Nessa época, Léo tinha conseguido comprar material escolar fiado e começou a estudar -frequentava aulas no supletivo.
Mas a vida "ajustada" do rapaz não durou muito. "Comecei a relaxar. Fui mandado embora da banca e deixei a escola."
Léo, então, passou a vender balas na saída da fábrica da Volkswagen, em São Bernardo. "Esperávamos a saída dos operários, às 5h."
Foi nessa época que Léo conheceu os quatro garotos que mais tarde se envolveriam em problemas. "Além do nosso grupo, tinha um outro que vendia balas, mas mexia com drogas. Os operários denunciaram isso e a polícia apareceu em uma madrugada."
Segundo o garoto, os policiais chegaram chutando os cinco adolescentes e disseram que, se não quisessem ir para a Febem, teriam de deixar o local. "Só eu e outros dois colegas obedecemos. Os policiais deram uma volta no quarteirão e, quando voltaram, levaram os dois colegas que tinham ficado lá", diz Léo.
Depois desse dia, os dois garotos que haviam entrado na Febem acusados de um crime que afirmam não ter cometido, retornaram diversas vezes para a instituição. "A minha sorte foi não ter caído na Febem. Lá, eles tiram a sua consciência."
O outro colega de Léo morreu há dois anos -queimado. "Ele estava cheirando cola. Tinha derrubado na roupa. Sem perceber, acendeu uma vela perto e tudo pegou fogo, inclusive meu amigo."
Tentando evitar destino semelhante, Léo quer se tornar fotógrafo, "para mostrar o problema das ruas". Ele conseguiu recuperar o emprego na banca de jornais. Hoje, ganha R$ 150: R$ 50 vão para o aluguel e R$ 56, para a câmera.
"Quero fotografar meninos de rua, movimento negro e sem-terra. Quero mostrar a nossa realidade", conta Léo, que afirma nunca ter tido aula de fotografia.
Questionado se gostaria de fotografar a ex-integrante do MST que posou para a "Playboy", Débora Rodrigues, Léo respondeu: "Sem dúvida". "Se a Xuxa posou nua, a Débora também pode."
(ANDRÉ LOZANO e PAULO GIANDALIA)

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