São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Coquetel ainda é a melhor arma contra o HIV

LUCIA MARTINS
JAIRO BOUER

LUCIA MARTINS; JAIRO BOUER
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A HAMBURGO

Dado é a principal conclusão da 6ª Conferência Européia de Tratamento da Infecção, em Hamburgo

O coquetel anti-Aids não vai erradicar o vírus dos soropositivos, mas é, até agora, a mais poderosa arma que a medicina tem contra a doença e conseguiu reduzir a mortalidade por HIV a uma taxa média de 50% nos países onde ele é usado.
Essa foi a principal conclusão da 6ª Conferência Européia de Tratamento da Infecção por HIV, encerrada na quarta-feira, em Hamburgo (Alemanha).
Muitos pesquisadores europeus, considerados mais céticos e moderados no uso das novas drogas, apresentaram estudos recentes concluindo que o melhor tratamento deve ser dado no início da doença e com esquema de remédios mais fortes.
Eles apóiam hoje a teoria que rejeitaram no passado. Apresentado inicialmente pelo pesquisador norte-americano David Ho em 96, a tese de atacar o vírus com uma combinação de drogas mais potentes havia sido duramente criticada por ser considerada "apenas um modelo matemático sem base na realidade".
Foram resultados da prática que fizeram os médicos mudar de idéia. Na última terça-feira , a inglesa Amanda Morcoft, do Hospital Escola de Medicina (Londres), apresentou levantamento que mostra que houve queda de 50% na mortalidade dos pacientes tratados com o coquetel entre 94 e 97.
Em São Paulo, um estudo feito na cidade no mês passado pelo Pro-Aim (órgão da prefeitura) também indicou uma redução das mortes por Aids de mais de 30% entre o ano passado e o primeiro semestre deste ano.
Além de aumentar a sobrevida dos pacientes, as drogas proporcionam uma melhora geral do quadro clínico. O que, no dia-a-dia dos pacientes, significa redução das infecções oportunistas e uma vida quase normal.
Agindo em diferentes fases da multiplicação do vírus HIV, a soma de duas classes de remédios (inibidores de transcriptase e inibidores de protease) conseguem evitar a manifestação da Aids e, em cerca de 80% a 90% dos pacientes "virgens" de tratamento, a carga viral na corrente sanguínea cai para níveis indetectáveis.
Nunca, desde o início da epidemia, no começo dos anos 80, uma terapia foi tão eficiente. Mas é no longo prazo que estão as dúvidas dos pesquisadores, explicitadas na conferência de Hamburgo.
Pela primeira vez, o maior entusiasta do coquetel, David Ho, que chegou a dizer que erradicaria a doença com as drogas, admite que os remédios não são a solução definitiva.
Ele apresentou resultados atualizados de estudo mais importante, em que encontrou "resíduos" do vírus até mesmo em pacientes tratados nos três primeiros meses após a contaminação.
A equipe de Ho, do Centro de Pesquisa em Aids Aaron Diamond (Nova York, EUA), acompanhou cerca de 50 doentes que usavam terapia combinada (coquetel com três ou quatro drogas) entre 18 e 28 meses. Todos eles tiveram sua carga viral no sangue reduzida a níveis indetectáveis a partir do quinto mês de tratamento.
Em 12 pacientes Ho fez análises mais detalhadas e sensíveis em vários tecidos do corpo (reservatórios de vírus). Nos gânglios (tecido linfóide), apesar de haver redução proporcional à observada no sangue, algumas partículas ativas do vírus foram encontradas. Essas células correspondem a menos de 0,1% das reservas do HIV.
Ho estima que, a cada dia, de 50 a 200 células infectadas poderiam ser "reativadas" nos gânglios -o que é um número muito pequeno e que talvez pudesse ser controlado pelo próprio organismo. No entanto não se pode ter certeza de que a carga viral não voltaria a subir no sangue se os medicamentos fossem suspensos.
"Esses resultados mostram que, além das drogas, temos que ter outras estratégias para combater a infecção", disse Ho à Folha. E acrescentou: "Não houve uma mudança grande no que dizíamos, só mais estudos".

Jairo Bouer e Lucia Martins viajaram a convite dos laboratórios Abbott e Roche

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