São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Seguro de acidente do trabalho pode mudar

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

A reforma da Previdência que passou no Senado e está de volta à Câmara vai além da mudança de regras para a concessão de aposentadorias. Em pelo menos dois tópicos, mexe também com os encargos sociais das empresas.
Ao alterar o artigo 201 da Constituição, abre a possibilidade para que o setor privado, além da previdência pública, faça a cobertura do risco de acidentes do trabalho.
No artigo 195, que trata das fontes de custeio da Seguridade Social, permite que as contribuições sociais das empresas tenham alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra.
A intenção é dar flexibilidade para que o INSS defenda suas receitas -calculadas sobre folhas de salários- dos efeitos da automação.
A participação do setor privado na cobertura do risco de acidentes do trabalho não seria uma experiência inédita no país.
Até 1967, lembra o advogado Wladimir Novaes Martinez, o sistema funcionava com seguradoras privadas e com o Estado.
Para o consultor Antônio Penteado Mendonça, esse seguro foi estatizado no Brasil porque o governo imaginava poder ganhar dinheiro com a atividade.
O sistema foi desequilibrado no passado, segundo Mendonça, pela onda de ações na Justiça do Trabalho. As seguradoras herdaram o ônus delas, completa.
Hoje, avalia, o seguro de acidentes do trabalho deve estar fazendo estrago nas contas da Previdência.
Não há controle das despesas, como programas de prevenção e rede hospitalar de atendimento rápido, diz ele. Na parte da receita, as alíquotas de 1%, 2% e 3% conforme o risco "são um chute", critica.
Essas alíquotas, de fato, nivelam os riscos, concorda Júlio Bierrenbach, vice-presidente da Sul América Aetna Seguros. No mundo todo as alíquotas vão de 1% a 12%.
Em 96, o INSS arrecadou R$ 2,4 bilhões com as taxas de 1% a 3%.
Dúvidas
A cobertura de acidentes do trabalho interessa, em princípio, ao setor privado. Em quase todos os países a cobertura é feita tanto pelo Estado quanto por seguradoras.
Foi a expectativa dessa abertura, comenta-se no mercado, que atraiu a norte-americana Liberty Mutual para o Brasil em 1996, comprando a Paulista Seguros.
Não há, entretanto, consenso sobre as vantagens da privatização ou flexibilização desse ramo.
"O seguro de acidentes do trabalho não me emociona como produto", confessa Júlio Bierrenbach.
Ele prevê dificuldades -caso a reforma da Previdência seja aprovada também na Câmara dos Deputados- justamente porque o seguro "será operado numa zona fronteiriça com o Estado".
Na opinião de Bierrenbach, pelo menos dois conceitos precisarão ficar muito claros na legislação: o que é doença profissional e a caracterização do sinistro conforme o local em que ele ocorre.
Há uma tendência no Brasil de se caracterizar tudo como acidente do trabalho. Os que ocorrem no trajeto para o trabalho também, explica Bierrenbach. Daí a necessidade de regras muito claras.
Seu temor é que, no futuro, ao terem de decidir se um acidentado será tratado pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ou terá cobertura da seguradora, juízes atribuam tudo ao setor privado.
Nos Estados Unidos, explica ele, esse tipo de divergência também existe, mas é entre seguradora de acidente do trabalho e seguradora de saúde, ambas privadas. No Canadá, tende-se para o "SUS de lá", que é muito eficiente. "No Brasil, o que você acha que aconteceria?", indaga Bierrenbach.

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