São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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CAMPO DE BATALHA É A CULTURA POP

BIA ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERKELEY (EUA)

As avós foram "sufragetes", as mães queimaram sutiãs em praça pública e as meninas, bem, as meninas discutem sobre a Barbie. A sério. O principal campo de batalha da nova onda do feminismo é a cultura pop. O alvo, as imagens femininas construídas pelos e para os homens. O objetivo: eliminar as garotas boazinhas, as princesinhas, as modelos anoréxicas e as sedutoras misteriosas, e substituí-las por heroínas poderosas, de sexualidade franca e aberta.
Como a tenente Ripley, por exemplo, que luta em "Alien" contra um extraterrestre maligno vestida com uma singela calcinha de algodão branco debaixo de uma armadura pesada. Ou como a personagem dos quadrinhos Tank Girl, que dirige, bem, um tanque.
Para fazer a "revolução", elas elegeram novos modelos, critérios estéticos, elevaram meninas como elas à condição de ídolos e subverteram a posição de consumidoras para a de produtoras de cultura.
As bandas Bikini Kill, Belly, Seven Year Bitch, L7, Breeders e, sobretudo, a Hole, de Courtney Love, criaram nos anos 90 um novo universo de referências para as netas do feminismo. Num movimento similar ao dos punks nos anos 70, essas bandas igualavam-se a seu público: garotas zangadas cantando para garotas iradas.
Além da postura raivosa, as "grrrls" repudiam a manipulação da sedução feminina como forma torta de chegar ao poder: daí Courtney Love ser considerada uma espécie de anti-Madonna.
O corpo malhado, com pernas e braços bem definidos, e não apenas esbelto, começou a aparecer nas atrizes de Hollywood, sobretudo nos filmes de ação. Personagens femininas pularam da posição de namoradas ou vítimas ou vilãs para o de, no mínimo, co-protagonistas.
A metamorfose da personagem Sarah Connor (Linda Hamilton) entre as duas partes de "O Exterminador do Futuro" é um bom exemplo. No filme de 1984, Sarah é a garota bonitinha e doce por quem o enviado do futuro se apaixona e de quem ela engravida. Na continuação, em 1991, Hamilton aparece forte e armada até os dentes, mas de camiseta cavada que deixa os seios à mostra. E, com uma pequena ajuda de Arnold Schwarzenegger, salva o mundo de uma hecatombe nuclear.
A mais nova -e exagerada- mulher forte de Hollywood é interpretada por Demi Moore em "G.I. Jane", sobre as agruras de uma aspirante ao fechado mundo masculino da elite militar dos EUA.
A combinação de força física e sexualidade evidente fez o sucesso de Tank Girl. A desbocada e escrachada personagem, uma criação de 88 de Jamie Hewlett e Alan Martin, que se veste com coturnos e sutiãs, foi a contribuição mais popular do mundo dos quadrinhos.
Mulheres com superpoderes, como a Mulher Maravilha, a Super Moça etc., sempre habitaram o universo dos super-heróis, mas, como seus parceiros masculinos, nunca tinham tempo para o sexo, porque sempre estavam mais ocupadas em combater supervilões. Os quadrinhos "underground" e cerebrais dos anos 80, entretanto, criaram as melhores personagens femininas de toda história da HQ: as punks feministas Maggie e Hoopey, da série "Love and Rockets", dos irmãos Hernandéz.
A nova mania norte-americana no capítulo heroínas femininas entretanto vem da TV. A Mulher Biônica foi recuperada como a única possibilidade de identificação para garotas espertas nos anos 70, a ultracompetente e racional agente Dana Scully, do Arquivo X, também não faz feio diante do novo feminismo, mas o quente mesmo é Xena, a princesa guerreira.
Originalmente uma personagem secundária da série "Hercules - The Legendary Journeys", produzida por Sam Raimi, a guerreira Xena ganhou série própria, inúmeros fãs, convenções e até um Xena's International Studies Association. Xena e sua amiga Gabrielle formam um exército de duas mulheres contra o mundo, num período histórico confuso entre a Grécia clássica e a Idade Média. Ressalvando toda a inconsistência histórica, o encanto da série reside no retrato poderoso de uma amizade feminina. E, como todas nós -"grrrls" e mulheres- sabemos, a "impossibilidade" da amizade feminina é um dos mitos mais arraigados do machismo.

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