São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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De volta para o passado

JESUS DE PAULA ASSIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sam Magruder desapareceu. Agora -se bem que "agora" seja um tanto impróprio neste contexto- ele está vivo 80 milhões de anos no passado. Seu problema é relatar a experiência de ser o único ser o humano na Terra e deixar registros para que homens como ele possam ler no futuro. A narração de sua aventura é o centro de "A Descronização de Sam Magruder", novela do paleontólogo norte-americano George Gaylord Simpson.
Simpson (1902-1984) foi professor de paleontologia na Universidade de Harvard e de Columbia (EUA), entre outras, tendo se aposentado em 1982. A história de Sam Magruder foi encontrada por acaso, em 1994, entre papéis deixados por ele. Sua filha, ao ver que o texto estava completo, convidou duas estrelas -Arthur Clarke, da ficção científica, e Stephen Jay Gould, da zoologia- para escrever um prefácio e um posfácio ao texto. Tudo pronto, ela publicou o resultado, em 1996.
"A Descronização de Sam Magruder" tem dois níveis, ambos de interesse particular. Não se tem certeza sobre a data da composição do texto, embora seja possível pensar que ele tenha sido escrito nos anos 60, quando Simpson estava em plena atividade científica.
Em um primeiro nível, está a narração do protagonista, cientista do século 22 que, durante pesquisas com a estrutura do tempo, é vítima de um acidente e recua 80 milhões de anos. Diferentemente de outros viajantes da literatura, Magruder chega ao passado nu, sem nada em que se apoiar salvo sua educação, que, logo descobre, tem pouco uso nesse ambiente.
A aventura do protagonista é, então, a aventura de um homem civilizado e urbano para fazer coisas simples como acender fogo, coser um sapato e um manto, achar abrigo. Nada é fácil, nada vem sem muito esforço e anos devem passar antes que ele possa, enfim, achar tempo livre para se dedicar às suas memórias, esculpidas em lajes de pedra.
No segundo nível, está a aventura de conseguir deixar pistas de experiências pessoais para a apreciação de gerações futuras. Como Simpson, o autor, Magruder, o personagem, é um cientista. Deve, portanto, acima de tudo, tentar exercer seu ofício, que consiste em observar e tecer teorias. Mas de que adianta tudo isso se ninguém ler o resultado? Esse é o drama de Sam Magruder: será que alguém vai achar as lajes de pedra? Será que elas resistirão milhões de anos, até que quem as possa compreender apareça?
Assim, cada vez que um cientista escreve um pequeno artigo, está colocando um bilhete em uma garrafa e lançando-a ao mar. Ela pode jamais ser achada, ou pode sê-lo, mas por pessoas que não entendam o conteúdo. Mesmo assim, cumpre tentar. Ironicamente, essa magistral novela, entre centenas de artigos científicos escritos por Simpson, pode vir a ser sua mais bem-sucedida mensagem para leitores do futuro.

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