São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Privatização de escolas fracassa nos EUA

DILVO I. RISTOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao contrário do Brasil, onde 75% dos estudantes universitários frequentam instituições privadas, os EUA abriram pouco espaço às experiências de privatização do ensino superior. É sempre bom lembrar que, apesar do enorme sucesso de universidades tradicionais como Harvard, Johns Hopkins, Duke e outras, apenas cerca de 3 milhões dos mais de 14 milhões de universitários americanos estão matriculados em universidades privadas. Mais de dois terços da capacidade universitária americana, portanto, pertencem ao setor público. A julgar pelas projeções oficiais para o setor, esta proporção será mantida pelo menos até o ano 2007.
Exceto por incursões marginais no setor de serviços das universidades, as iniciativas de privatização tiveram melhor receptividade na educação básica, em que, no início dos anos 90, o ensino propriamente dito, em alguns casos, foi entregue a empresas com fins declaradamente lucrativos. Mesmo na educação básica, no entanto, tiveram pouco sucesso.
O caso mais notável aconteceu em 1994. Na época, o ex-vendedor de copiadoras John Golle fez história ao tornar a sua empresa, a Education Alternatives Inc. (EAI), responsável por todas as 32 escolas públicas da cidade de Hartford, Connecticut. Ao constatar que abrir escolas não era tão lucrativo quanto pensara, Golle começou a negociar contratos para administrar escolas municipais. Sua mensagem? "Nós podemos ensinar melhor... e podemos todos lucrar com isto." Conseguiu o primeiro contrato em Dade County, Flórida, o segundo em Baltimore, Maryland, e, por último, o contrato milionário de Hartford. O processo privatizante, via "franchising", parecia deslanchado nacionalmente. As ações da empresa, à venda por US$ 4 em 1991, saltaram para US$ 49 em 1993. Com as críticas que começaram a surgir ao seu desempenho, já em 1994 o preço da ação caiu para menos de US$ 10, indicando que, nos negócios da educação, o preço da ação nem sempre reflete o seu valor.
Desde então, a EAI tem acumulado fracassos: gastos com a educação em Baltimore, por exemplo, ao invés de diminuir, aumentaram em 20%; os índices de evasão cresceram; o desempenho dos alunos nos testes padronizados piorou; o atendimento a alunos com necessidades especiais ficou seriamente prejudicado; e os investimentos de capital foram três vezes menores que os prometidos.
Os resultados, portanto, ridicularizam as duas principais promessas da experiência privatizante: melhorar a qualidade do ensino e diminuir os seus custos. Não é por acaso que o setor público começa a retomar o comando também destas escolas. Dade County encerrou seu contrato com a EAI em 95, com o argumento de que não houve melhoras que justificassem a sua continuação; Baltimore fez o mesmo em 96, um ano e três meses antes do término do contrato; a Hartford rescindiu o contrato, também em 96, em meio a uma ruidosa batalha judicial.
Apesar da proliferação de grupos da educação pelo lucro (há hoje pelo menos uma dúzia de grandes empresas disputando o mercado com a EAI), a verdade é que nos EUA a privatização é pouco significativa. Não bastassem as repetidas declarações do presidente Clinton no sentido de considerar a educação questão de segurança nacional e seu empenho pessoal em garantir a universalização do acesso e a virtual gratuidade no ensino superior público, estudos recentes de Carol Asher, George Kaplan e outros mostram que, ao contrário do Brasil, os EUA aceitam experimentar, mas estão longe de entregar tão importante função à iniciativa privada, seja no nível básico ou universitário.
Enquanto os EUA procuram aprender com essas experiências de laboratório, o Brasil acelera perigosamente o processo, com o sinal já amarelo. É preciso frear esta tendência brasileira. Nossas instituições públicas têm, sem dúvidas, as suas ineficiências, e o bom senso diz que é preciso corrigi-las. Antes, no entanto, há que se reconhecer os seus valores humanos e a sua importante e, talvez, inalienável, função social.

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