São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 1997
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'O Doce Amanhã' aborda compensação de trauma

RUI MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA, NA SUÍÇA

A espinha dorsal do filme "O Doce Amanhã", exibido hoje na Mostra, é uma "class action", um tipo de ação coletiva, inexistente no Direito brasileiro, mas comum nos EUA, pelo qual diversas pessoas podem pedir, num único processo, indenizações por perdas.
O personagem principal é um frio advogado, especialista em aliciar clientes toda vez que ocorre um acidente ou catástrofe coletiva, propondo a abertura de processos, cujas custas correm por sua conta.
Essa atividade aparentemente filantrópica tem sua contrapartida: ele fica com 30% da indenização, caso ganhe o processo.
Um ônibus escolar, que derrapa na estrada coberta de neve, causa a morte de quase todas as crianças de uma pequena comunidade, deixa paralítica uma adolescente e cria um trauma coletivo.
Com esses elementos, Atom Egoyan amarra os espectadores durante quase duas horas, mesmo se na trama não há mistério nem suspense. Isso porque esse cineasta de origem armênia, nascido no Egito e de nacionalidade canadense sabe jogar com as imagens e explorar os sentimentos.
Quando o advogado Stevens desembarca para funcionar como catalisador da desgraça e transformá-la em raiva, primeiro passo para dar à tragédia um valor pagável em dólares, a reação do espectador é de rejeição, mas o advogado é convincente.
Atom Egoyan cria a falsa pista da moralidade, no empenho do velho advogado em convencer seus clientes da necessidade de punir alguém pela tragédia sofrida.
Mas o tortuoso objetivo de Atom Egoyan não é o de pôr em questão se os pais das vítimas do acidente podem ganhar alguns milhões de dólares com a tragédia ou se o advogado não passa de um comerciante da desgraça.
Especialista em sondar a psicologia de seus personagens, Egoyan quer discutir a estratégia que os seres humanos utilizam para suportar ou afrontar situações extremas.
Para os que desejavam interpretar seu filme "Exótica", Egoyan tinha oferecido uma chave -"meu desejo é o de fazer o espectador se confrontar com seus pesadelos e fantasmas profundos".
Em lugar da violência habitual mostrada no cinema, Egoyan usa da violência do impacto psicológico do acidente, utilizando as pulsões, os desejos e projeções dos espectadores.
Diante de um drama irracional e coletivo, as reações dos diretamente atingidos podem variar da frieza à revolta. A lucrativa "class action" levaria a uma compensação da tragédia, mas acompanhada de uma divergência entre os habitantes da comunidade.
É nesse ponto que a adolescente Nicole, que ficou paralítica, resolve intervir com uma mentira para reconduzir a comunidade à razão.

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