São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 1997
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O reconhecimento da renda mínima

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Finalmente, seis anos depois da aprovação pelo Senado de meu projeto de lei que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima, o Executivo desistiu de obstruir a tramitação da idéia no Congresso.
Continua, é verdade, impedindo a votação do projeto pela Câmara, mas resolveu incentivar uma versão modesta, de Nelson Marchezan (PSDB) e Osvaldo Biolchi (PTB), aprovada pela Câmara em dezembro passado, que será votada agora pelo Senado.
A mudança da posição do governo se deve, em grande medida, ao sucesso de diversos programas de renda mínima ou de bolsa-escola instituídos nos últimos três anos no Distrito Federal, em Campinas, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Vitória, Belém, Natal e outras cidades por iniciativa de vários partidos.
Mais recentemente, o próprio governo federal criou um programa restrito, objeto de ampla publicidade oficial na TV, para prover uma renda mínima às famílias carentes nas carvoarias de Mato Grosso do Sul, nas plantações de sisal da Bahia e nas de cana-de-açúcar em Pernambuco, fazendo com que crianças deixem o trabalho precoce e possam aprender na escola.
Em audiência com o presidente Fernando Henrique Cardoso, procurei mostrar a importância de dar um passo na direção correta. Sobretudo que tivéssemos uma fórmula que preservasse o estímulo para as pessoas trabalharem, assegurando, porém, o cumprimento dos seguintes fundamentos: toda pessoa tem o direito de partilhar da riqueza da nação; todos devem ter o mínimo para garantir a sobrevivência; toda família carente deve ter assegurado um complemento de renda, para que suas crianças possam estudar.
O projeto que tramita no Senado, com respaldo do governo, autoriza a União a dar apoio, financiando 50% do custo, aos municípios que instituírem a renda mínima relacionada a ações socioeducacionais. Mas beneficia somente aqueles cuja renda e arrecadação "per capita" forem menores do que a média do Estado. Isso exclui cerca de 40% dos municípios em cada Estado, mesmo que tenham maior número de famílias carentes.
O benefício será dado a famílias com renda "per capita" inferior a R$ 60 e com crianças até 14 anos, desde que aquelas em idade escolar estejam na escola. A fórmula proposta pelo governo, além de fixar benefício muito pequeno, produz resultados absurdos.
Por incrível que pareça, no caso de famílias com mesmo grau de pobreza, com R$ 40 de renda "per capita", se tiverem quatro pessoas, terão benefício de R$ 10; se tiverem duas, o benefício será negativo, de menos R$ 5.
O governo deveria levar em conta as proposições que a oposição está lhe fazendo para que o programa não seja tão limitado. De acordo com as emendas que apresentamos, a renda mínima seria estendida gradualmente para todos os municípios, e a fórmula de cálculo do benefício seria modificada de maneira a torná-la mais generosa e corrigir o erro apontado, preservando os princípios com os quais o presidente disse concordar.
O governo, entretanto, informou ao relator, senador Lúcio Alcântara (PSDB), que só aceita o formato que, em 1998, preveja gastos para a União de R$ 70 milhões com a renda mínima, beneficiando 400 mil famílias.
Isso corresponde a cerca de um sexto do que a administração direta federal, excluindo as empresas estatais, planeja gastar em publicidade. São R$ 420 milhões, segundo a mensagem orçamentária enviada ao Congresso Nacional.
Se o governo aceitar as emendas que estamos propondo, o dispêndio no primeiro ano com o programa será da ordem de R$ 260 milhões, beneficiando 831 mil famílias.
O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o Brasil não é pobre, é um país injusto. O instrumento para torná-lo mais justo está nas mãos dele. A decisão vai se dar no Senado hoje.

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