São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 1997
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'As HQs são a mídia do mundo moderno'

PEDRO CIRNE DE ALBUQUERQUE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Para Will Eisner, o mundo "está se movendo mais rápido do que nunca", com o tempo se tornando cada vez mais escasso para o homem absorver tudo à sua volta.
"Os quadrinhos ocupam um lugar muito interessante neste mundo, em que a transmissão das informações não pode mais depender unicamente das palavras", diz o cartunista.
Leia, a seguir, trechos da entrevista que Eisner concedeu à Folha.

*
Folha - O sr. escreve e desenha quadrinhos há 60 anos. O que mudou nas suas histórias?
Will Eisner - Bom, eu cresci em 60 anos (risos). Ganhei experiência. O homem parece estar mais interessado com as lutas interiores do ser humano.
Mais do que ações físicas nas histórias, nas quais eu estava interessado em princípio, meu trabalho hoje se concentra na história e no trabalho de arte, que é simplesmente a maneira de expressar a minha história. Quando comecei, minha arte era mais técnica.
Folha - E o que mudou nas histórias em quadrinhos em geral?
Eisner - As histórias se tornaram mais amplas e sofisticadas do que eram no passado. Os super-heróis ainda estão conosco.
Eles se tornaram mais fantasiosos do que eram. Nos EUA, como no resto do mundo, os quadrinhos se dividiram em duas partes.
Um grande segmento de HQs permanece com os leitores jovens, e outra parte crescente está com os adultos. Esse é um fenômeno importante e que me interessa.
O leitor da década de 60 está mais velho e não está mais interessado, na minha opinião, em super-heróis. Ele quer proximidade com a realidade da vida. Então as HQs estão ficando mais realistas. É para esse leitor que eu me volto.
Folha - Depois de todos esses anos, o que o sr. aprendeu?
Eisner - Bem, aprendi a fazer histórias melhores (risos). Vi que estava certo quando decidi, em 40, que essa seria minha carreira e que os quadrinhos são uma forma literária de balada, ou seja, uma forma poética de contar história.
Aprendi que essa é uma arte com grande potencial: eu posso atingir vários leitores por essa mídia.
Quando eu comecei, achava que estava lidando com uma mídia endereçada apenas a crianças. Agora sei que posso atingir variados tipos de público.
Folha - O que o sr. ensinou para quem veio depois?
Eisner - Não sei, isso é com eles! Espero ter provado que histórias podem ser contadas com imaginação e originalidade. Espero, sinceramente, ter conseguido isso.
Folha - Por trás dos balões, dos desenhos e das palavras, qual é o espírito das HQs?
Eisner - O que diferencia a HQ das demais artes é que ela permite que o leitor participe do desenrolar da história. No filme, por exemplo, o público apenas senta e assiste. Fica passivo.
Os quadrinhos lidam com a imaginação, os personagens são geralmente refeitos pela imaginação do leitor. Essa é uma das razões pelas quais muitos dos filmes sobre personagens de histórias em quadrinhos são fracassos. O leitor procura histórias imaginativas, enquanto o personagem criado no cinema é muito próximo da realidade.
Folha - Quadrinhos e cinema têm muita coisa em comum. Quando veremos "The Spirit" nas telonas?
Eisner - Não sei. A Warner Bros. fez um piloto. Recentemente licenciamos para a equipe que produziu Batman e eles irão fazer o filme, mas eu não sei para quando.
Folha - O sr. conhece quadrinhos brasileiros?
Eisner - Conheço alguns, como o Ziraldo. Não presto muita atenção nos novos. Mas tive um bom amigo, Jayme Cortez (quadrinhista lisboeta naturalizado brasileiro, 1926-88). Embora não tenha observado bem o trabalho dos brasileiros, conheço Maurício de Souza, que é muito importante.
Folha - Quais são suas influências atualmente?
Eisner - Hoje a minha influência é a vida. Eu não olho para as outras artes procurando influências específicas. Essa questão é ampla. Quando você lê um livro ou assiste a um filme, ou vê algo, você recebe alguma coisa. Faz parte do processo contínuo de aprendizagem, no qual ainda me encontro.
Folha - O que o sr. tem a dizer para os que estão começando a produzir quadrinhos agora?
Eisner - Eu lhes diria para prestar atenção no fato de que esta é uma mídia de contar histórias. O conteúdo é muito importante.
O estilo e a técnica são apenas secundários. O elemento duradouro dos quadrinhos ou de qualquer mídia é o conteúdo. É isso o que digo a todos os meus alunos.
Folha - Como o sr. vê o mundo hoje?
Eisner - É um mundo muito excitante hoje, que se move mais rápido atualmente do que em toda a sua história. Há um fluxo tremendo de informações e idéias sendo despejado sobre as pessoas.
O tempo que nós temos para absorver essas idéias está se tornando cada vez menor. Nosso tempo consciente, o tempo em que estamos acordados, continua o mesmo, mas a quantidade de informação está crescendo.
Isso já é uma realidade. Mas é um mundo que está se tornando cada vez melhor. Estou feliz de estar nele. Acho que estamos entrando em um tempo em que vamos aprender a viver com as novas tecnologias, que crescem mais rápido do que a nossa mente pode acompanhar.
Folha - Qual é a função dos quadrinhos nesse mundo?
Eisner - Os quadrinhos ocupam um lugar muito interessante no mundo da comunicação. Eles preenchem um hiato entre o impresso e o imaginário.
Nós vamos agora para o que eu chamo de uma era visual, em que as informações são transmitidas pelas imagens, principalmente porque a transmissão das informações não pode mais depender unicamente das palavras.
Os quadrinhos são uma nova dimensão que une o texto à imagem. Esses elementos estarão presentes na era eletrônica e na dos computadores. A mídia impressa irá sobreviver, mas em grande competição com a eletrônica. E a importância dos quadrinhos enquanto mídia está crescendo.
Quando digo quadrinhos, devo enfatizar que estou me referindo a uma sequência de imagens para contar uma história.

Conferência: Um Século da História em Quadrinhos (Will Eisner)
Quando: hoje, às 19h
Onde: Luminis (r. Tomé de Souza, 273, Belo Horizonte, MG, tel. 031/227-4642)

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