São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 1997
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Menem ataca 'golpe de Estado da mídia'

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

O governo do presidente Carlos Menem emitiu o mais claro sinal, até agora, de desespero ante a perspectiva de perder cruciais eleições legislativas, no próximo domingo.
Seu ministro da Economia, Roque Fernández, culpou a mídia pela situação eleitoral desfavorável e chegou a cunhar um neologismo político: disse que "as grandes conquistas deste governo foram neutralizadas por uma espécie de golpe de Estado da mídia".
Se não fosse por esse suposto golpe, "o governo ganharia as eleições por 60% a 40%", disse Fernández, que repetiu quatro vezes, ao longo do dia, o conceito de "golpe de Estado da mídia".
As mais recentes pesquisas indicam que a coalizão opositora tende a obter a maioria dos votos no conjunto do país. Mas há uma disputa voto a voto na principal Província (Estado), a de Buenos Aires, que reúne quase 40% dos eleitores.
É verdade que o presidente Menem não encampou a tese de seu ministro, embora tenha dito que "não há dúvida de que alguns meios de comunicação estão abertamente contra o governo".
Foi o suficiente para relançar um tema quase permanente, no relacionamento entre parte da mídia argentina e o governo Menem.
No dia 8 de setembro, o próprio presidente aludiu à "liberdade do porrete", exumando expressão de dois séculos e meio atrás do norte-americano Benjamin Franklin, para quem os afetados por informações incorretas da imprensa deveriam vingar-se com as próprias mãos (usando o porrete).
A União de Trabalhadores da Imprensa de Buenos Aires acha que é exatamente isso o que se está praticando no país, desde antes da frase de Menem: a entidade contabiliza 900 ataques e intimidações contra jornalistas, desde a posse de Menem, em 1989.
Só este ano, foram 35, o mais notório dos quais o assassinato do fotógrafo José Luis Cabezas, em janeiro. O suspeito é o empresário Alfredo Yabran, amigo de Menem.
Na agenda de Clinton
O tema é tão atual que o presidente norte-americano, Bill Clinton, tratou do assunto quanto visitou o país, na semana passada. Deu-se até ao trabalho de se reunir com quatro colunistas tidos como de reconhecida independência.
"É preciso parar com as ameaças contra os jornalistas e ir construindo a sociedade civil, tijolo a tijolo. Para esse objetivo, é bom que a imprensa seja livre e é mau que haja quem se sinta livre para ameaçar e agredir os jornalistas", disse Clinton ao grupo.
É natural, por isso, que o neologismo de Roque Fernández tenha provocado reação contrária não apenas na mídia e na oposição, mas até no oficialismo.
O matutino "Clarín", o principal do país, criticou, em editorial, "uma nova manifestação de intolerância em relação à liberdade de expressão por parte de funcionários do governo".
O deputado Miguel Ángel Toma (do Partido Justicialista, ou Peronista, o mesmo de Menem) também atacou: "Agitar fantasmas do passado ou lançar a culpa na imprensa recorda os déspotas que matavam os emissários porque não lhes agradavam as mensagens que transmitiam".
As eleições
A eleição de domingo renova metade das 257 cadeiras da Câmara de Deputados. No pleito anterior, o partido de Menem ficou com 133 cadeiras, a maioria absoluta, portanto.
Pode perdê-la agora para a coligação entre a Frepaso (Frente País Solidário), um grupo formado por peronistas dissidentes, e a UCR (União Cívica Radical), o mais tradicional partido argentino.
Mas essa eventual derrota não é o mais importante. Como diz editorial de ontem do matutino conservador "La Nación", o pleito de domingo acabou se transformando em uma espécie de primária da eleição presidencial de 1999.
Ou seja, se Menem perder domingo, pode ser apenas um trailer do que ocorrerá em dois anos.

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