São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 1997
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Vieira e Tiririca

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Editorial da Folha, no último domingo, fez considerações sobre a dificuldade das novas gerações em consumir os clássicos de nossa literatura.
Apoiado em pesquisa junto a dez escolas, o editorial constatou que "aumentam as dificuldades dos alunos em ler autores dos séculos passados que vão se tornando incompreensíveis".
Isso explica por que, num desses últimos vestibulares, o texto escolhido foi uma obra de Tiririca, por sinal acusada de ser racista. Para a análise em nível escolar, tanto faz a sintaxe de Tiririca ou a de Vieira. A explicação para a escolha é simples: os alunos jovens compreendem o que Tiririca propõe. E nenhum deles teria condições de penetrar no sermão da septuagésima.
Não se trata de uma questão de gosto, mas de penetração. Por isso mesmo Charles Lamb pegou as peças teatrais de Shakespeare e as reduziu a contos -que com o tempo também se tornaram clássicos. Monteiro Lobato fez o mesmo com o "Dom Quixote" e o "Gulliver".
A editora Scipione, de São Paulo, está encomendando a autores de hoje a adaptação de alguns romances famosos. Eça de Queiroz, Manuel Antônio de Almeida, Raul Pompéia, Aluísio de Azevedo, por exemplo, serão lançados em textos com linguagem atual, em versões reduzidas que eliminarão digressões e ângulos mortos. Sobrarão apenas os personagens e a história em si.
Com isso, pretende-se chamar a atenção dos jovens para os textos originais. Mais ou menos o que algumas orquestras fazem com partituras clássicas, gravando adaptações ou sequências que quebrem o gelo entre a versão dos autores e o ouvido ainda não educado.
São muitos os que condenam essa liberdade. Consideram sacrílegas essas versões. Pessoalmente, sou a favor. Li Swift pela primeira vez por meio de Monteiro Lobato. Já fiz diversas adaptações de clássicos para a Ediouro e agora estou fazendo para a Scipione. Mas não pretendo concorrer com o Tiririca.

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