São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Menino acha que é menina em filme belga

ADRIANE GRAU
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

O primeiro amor e o despertar da sexualidade durante a infância são os temas de "Minha Vida em Cor-de-Rosa", que passa hoje, às 23h, no Maksoud Plaza, dentro da 21ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
No filme, Ludovic (Georges Du Fresne) tem 7 anos e não é o único obcecado por seu primeiro amor.
"Nós vamos nos casar quando eu não for mais um garoto", avisa ele. Em sua lógica, não há nada de errado em ele gostar de uma pessoa do mesmo sexo que o seu.
A paixão pelo colega de classe e vizinho de casa Jerome (Julien Riviere) é moldada no mundo cor-de-rosa da boneca Pam, uma Barbie belga que só pensa em namorar o boneco Ben.
O diretor Alain Berliner e o ator Georges Du Fresne, 12, receberam a reportagem da Folha em San Francisco na semana passada para falar sobre o filme que está sendo usado para ensinar tolerância nas escolas da Bélgica.
Berliner revela que a roteirista Chris van der Stappen é a responsável em levar para a tela a história. "Ela tem certeza de que é um homem num corpo de mulher", disse o diretor, que é casado e tem dois filhos. "Para ela, ser homossexual seria ter um amante homem", afirmou.
Sucesso em Cannes
Prova da curiosidade do mundo sobre o surgimento da homossexualidade é o sucesso do filme no último Festival de Cannes, em maio. "Vendemos os direitos de distribuição para 35 países", disse Berliner.
Para o diretor, o ponto de vista que as pessoas têm sobre o filme depende de suas histórias pessoais. "Se são heterossexuais, podem achar que Ludovic passa por uma fase, e, se são homossexuais ou transexuais, podem achar que revela o começo da descoberta", analisou ele. "Mostra que o filme realmente pertence à audiência", disse o diretor.
Para realizar o filme na quase inexistente indústria cinematográfica de seu país, que produz em média cinco filmes por ano, Berliner não hesitou em usar dinheiro da indústria de bebidas Martini-Rossi e do fabricante de cigarros Phillip-Morris.
"Entraram com apoio após eu submeter o roteiro a sua apreciação", revelou ele.
"É uma maneira de eles divulgarem suas marcas, pois a lei proíbe que façam propaganda de cigarros e bebidas na Bélgica", afirmou Berliner.
Grande parte do orçamento foi usado nos efeitos especiais que mostram as fantasias de Ludovic. "Inspirei-me no trabalho de Tim Burton em 'Edward Mãos de Tesoura'", afirmou Alain Berliner.
Quando Ludovic começa a se sentir acossado pela reação de sua família e vizinhos no subúrbio em que vive, por exemplo, as cores do filme vão empalidecendo.
Esperto e sensível, Ludovic rapidamente formula uma teoria científica bastante avançada para sua idade.
Segundo o menino, Deus se enganou ao enviar à Terra um cromossomo Y e um X, e não dois X. "É como pôquer", diz ele sobre sua sorte. "Por isso sou um garoto-garota."
Ator e diretor não se esforçam para imaginar o que acontece com o personagem após o filme. "Ele só vai decidir como será sua vida sexual quando tiver 15 ou 16 anos", disse Alain Berliner. "Pergunto a mim mesmo o tempo todo, mas não sei", completou Georges Du Fresne.

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