São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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A viúva e o poder

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Parece que foi Maquiavel o primeiro a descobrir a analogia entre a conquista da mulher e a conquista do poder.
Escrevendo "O Príncipe" em forma de ensaio e "A Mandrágora" como peça teatral, ele analisou e propôs as técnicas para a tomada de uma e de outro. O maquiavelismo nas duas operações é o mesmo, não fosse ele o próprio Maquiavel.
Quando eu soube que Lênin havia escrito um livro intitulado "O que Fazer?" fiquei espantado. Senti o bafio do plágio. Onde diabo havia lido alguma coisa parecida ou análoga? Lênin queria tomar e manter o poder, não exatamente uma mulher.
Tínhamos lá em casa uma velha gravação com trechos de "A Viúva Alegre", de Franz Lehár. Não entendia (nem entendo ainda o alemão), mas um dia o pai apareceu com um libreto bilíngue, alemão e inglês. Já conhecia a história. O príncipe Danilo, em missão diplomática para salvar as finanças falidas de um reino literalmente de opereta, precisava conquistar Ana Glawari, uma viúva riquíssima e, segundo Lehár, alegre, segundo Machado de Assis, patusca.
Na mais famosa ária do príncipe, que Maurice Chevalier tornou clássica quando a interpretou no filme dirigido por Ernst Lubitsch, ele se pergunta: "O que pensar, o que dizer, o que fazer?". Taí.
A diferença entre o príncipe Danilo Danilowitsch e Lênin é que fizeram a mesma coisa, com audácia e um pouco de acaso. Mas a viúva, alegre ou não, aceitou ser conquistada pelo príncipe -que inclusive lançou a moda de um corte de cabelo que antigamente fazia muito sucesso.
Lênin tinha menos charme. Tomou o poder na marra, precisou de uma guerra civil que durou dez anos para manter sua conquista, que afinal caiu em mão de outro.
Na tradição dos contos de fada, o príncipe e a viúva viveram para sempre felizes. Nem Lênin nem seus sucessores tiveram a mesma sorte. Danilo soube o que fazer. Lênin não soube ou fez errado.

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