São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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Saúde: avanços da regulamentação

CARLOS ALBUQUERQUE

Depois de seis anos de debates parlamentares, 24 tentativas de projetos e 130 emendas, estamos conseguindo finalmente o que parecia ser impossível.
Ao regulamentar os planos e seguros de saúde, o governo federal e o Congresso estão dando à opinião pública uma satisfação e uma importante demonstração de compromisso político.
É evidente que o setor privado de assistência à saúde, que atende mais de 40 milhões de brasileiros e movimenta cerca de R$ 18 bilhões, não pode mais permanecer à margem das ordenações governamentais. Para medirmos o que isso representa, basta lembrar que o orçamento nacional da saúde pública, somando os gastos de União, Estados e municípios, é de R$ 25 bilhões.
Não é mais concebível que um setor que opera com dois bens públicos essenciais, saúde e poupança popular, permaneça à margem da supervisão do Estado e da coordenação da sociedade.
A proposta do governo foi amplamente debatida, aperfeiçoada e, enfim, aprovada pela Câmara. Agora será apreciada pelo Senado. Ao regulamentar os planos e seguros de saúde, nossa preocupação desde o início foi defender os direitos dos usuários, melhorar a qualidade dos serviços, ampliar a cobertura do sistema e dar transparência às relações dessas empresas com o SUS (Sistema Único de Saúde). Podemos afirmar, com toda a convicção, que essas metas foram atingidas.
Estamos acompanhando com a maior atenção as críticas ao texto aprovado pela Câmara. É preciso levar em conta, entretanto, que, depois de tantos anos de ausência de normas, de autêntica anarquia, seria impossível fazer uma regulamentação ideal.
O que deve ser ressaltado é que o projeto dá garantias importantes aos usuários. Estabelece, por exemplo, regras firmes para autorizar o funcionamento das operadoras de planos e seguros.
Destaco também a criação de normas fixas para fiscalização e intervenção nas operadoras. E ainda a obrigatoriedade do contrato-padrão, que deverá conter, de forma clara, todos os direitos e obrigações das empresas, desde a descrição detalhada da cobertura, suas condições e possíveis exclusões, até as regras para variação de preço por faixa etária.
Com a regulamentação, fica decretado o fim da farra da "denúncia vazia" dos contratos, com a garantia de renovação automática para os usuários. Fica proibida a rescisão unilateral dos contratos, exceto por falta de pagamento superior a 60 dias; mesmo assim, é assegurado o atendimento caso o beneficiário esteja internado.
Serão riscados do mapa os aumentos abusivos de preço, que sempre usaram como pretexto a idade do usuário. Primeiro, porque as variações de reajustes e suas justificativas terão que constar obrigatoriamente do contrato inicial. Segundo, porque as operadoras terão que seguir as regras estabelecidas pelo órgão controlador, que vai estabelecer as faixas etárias e os limites de variação. Terceiro, porque fica proibido o aumento para quem tem mais de 60 anos e dez anos de plano.
Os idosos saíram ganhando também com a regulamentação. Eles poderão continuar no plano coletivo de saúde da empresa em que se aposentarem, desde que assumam a parte patronal. Se tiver mais de dez anos de empresa, o aposentado terá esse direito indefinidamente. Caso contrário, terá garantido um ano para cada ano de trabalho.
Aliás, esse mesmo princípio é aplicado ao desempregado. Nesse caso, contudo, garantiu-se um mínimo de seis e um máximo de 24 meses de atendimento. Em ambos os casos, esse direito se estende aos dependentes.
Inverteu-se a lógica cruel das chamadas lesões preexistentes. Hoje, a empresa de saúde pode simplesmente se recusar a atender determinado tratamento, alegando que o usuário já tinha aquela doença quando ingressou no plano.
Para garantir seu direito, o usuário deve provar -judicialmente, na maioria dos casos- que não tinha a doença ou não sabia de sua existência. Enquanto isso, fica sem atendimento.
A regulamentação acaba com isso. Além de proibir a alegação de lesão preexistente para o usuário após dois anos de plano, determina, mesmo nos dois primeiros anos de contrato, a obrigação da operadora de garantir o tratamento. E a empresa deve provar, a partir de agora, não só que a doença é anterior ao contrato, mas que o usuário sabia disso e tentou fraudar o plano.
O plano referência representa outro grande avanço. Todas as operadoras terão que oferecê-lo ao usuário. Trata-se de um plano de assistência integral. Além dele, as operadoras terão que oferecer planos de cobertura mínima.
O plano mínimo ambulatorial garante o atendimento a todos os tipos de doenças, além dos exames de apoio para diagnóstico e dos procedimentos necessários ao tratamento. Isso vai incluir o tratamento da Aids e as hemodiálises.
Já o plano mínimo hospitalar inclui todos os procedimentos, cirurgias e medicamentos necessários ao tratamento das mais variadas doenças, além de proibir limites para internação, inclusive em UTI. Nele só não estão incluídos procedimentos obstétricos e de alta complexidade -cirurgias cardiovasculares, de câncer, neurocirurgias e transplantes- que hoje também já são feitos quase totalmente pelo SUS.
São inúmeros os avanços trazidos pela regulamentação. Só os preconceituosos podem dar-se ao luxo de ignorá-los. O maior de todos é, sem dúvida, o fato de que passará a existir uma legislação específica definindo os direitos dos usuários de planos e seguros. O Congresso está dando ao governo e à sociedade os instrumentos para garantir esses direitos.

Carlos César de Albuquerque, 57, é ministro da Saúde. Foi diretor do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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