São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Globalização diminui as distâncias e lança o mundo na era da incerteza

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

A notícia do assassinato do presidente norte-americano Abraham Lincoln, em 1865, levou 13 dias para cruzar o Atlântico e chegar à Europa.
A queda da bolsa de valores de Hong Kong, na semana passada, levou 13 segundos para cair como um raio sobre São Paulo e Tóquio, Nova York e Tel Aviv, Buenos Aires e Frankfurt. Eis, ao vivo e em cores, a globalização. Não como fenômeno teórico, que já produziu um punhado de livros, "papers", ensaios e muita incompreensão. Mas como um fato da vida real.
"A globalização não é apenas palavra da moda, mas a síntese das transformações radicais pelas quais vem passando a economia mundial desde o início dos anos 80", resume o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, da Universidade de São Paulo.
O único exagero nessa descrição sumária é o de tomá-la como "palavra da moda" indiscriminadamente. Pesquisa Datafolha, feita em maio, mostra que 57% dos brasileiros jamais ouviram falar na "palavra da moda". Mesmo entre os entrevistados com nível de escolaridade superior, 14% ignoram o termo.
Não importa. Ela não pede licença para afetar os que sabem do que se trata e os que nem sequer ouviram mencionar a "palavra da moda", como tenta mostrar este caderno especial. Afeta o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista exclusiva, o presidente admite que o fenômeno "limita efetivamente o âmbito de ação dos Estados nacionais". Ou seja, limita o seu próprio poder de impor políticas.
A semana que está terminando é um exemplo definitivo: o governo brasileiro vinha reduzindo a taxa interna de juros gradativamente e não via motivo algum para não continuar a fazê-lo.
Até que a queda da bolsa de Hong Kong mudou tudo e obrigou a equipe econômica a duplicar a taxa de juros, com todo o cortejo negativo de efeitos que produz. Não porque tenha mudado o quadro interno. É o efeito da globalização, ou seja, da interdependência crescente entre países e mercados.
Mas a globalização afeta igualmente os 57% que, ao contrário de FHC, não sabem do que se trata.
Desde 1960, os pobres, para os quais globalização não é "palavra da moda", ficaram mais longe, muito mais longe, dos ricos: os 20% mais ricos do planeta tinham, em 1994, uma renda 78 vezes superior à dos 20% mais pobres.
Em 1960, a diferença já era grande, mas infinitamente menor (30 vezes).
A globalização atinge diretamente mesmo aqueles que se globalizaram, mas não têm necessariamente consciência do fenômeno. Exemplo: o jogador de futebol Ronaldinho.
Um dos anúncios que ele protagoniza foi criado por uma agência norte-americana, para vender no Brasil os produtos da multinacional também norte-americana Nike, mas fabricados em países da Ásia, como Vietnã ou Indonésia.
A globalização não é apenas, talvez nem principalmente, econômica. É também cultural, o que inclui desde a informação instantaneamente globalizada até o predomínio do inglês, o idioma da globalização. Mesmo no Brasil, muitas lojas já não fazem liquidações, mas "sale" ou "off", palavras que significam mais ou menos a mesma coisa, mas em inglês.
Se a CNN (Cable News Network), a rede global de TV, deu o pontapé inicial à informação em escala planetária, é a Internet, a rede de computadores, que tece, dia após dia, vínculos crescentes entre os que estão nela plugados.
Tece para o bem ou para o mal. São sistemas semelhantes à Internet que permitem a cada bolsa de valores saber no mesmo momento o que ocorre nas outras bolsas, por remotas que sejam. Permitem, por extensão, festejar ou chorar, conforme os gráficos de cotações apontem para cima ou para baixo.

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