São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Saiba como os teóricos interpretam o processo

DO CONSELHO EDITORIAL

O que é, afinal das contas, globalização? Como em qualquer assunto em que entre a questão econômica, essa pergunta vai encontrar 11 respostas diferentes, se forem consultados 10 economistas.
A explicação talvez mais didática está no teorema do economista Eduardo Gianetti da Fonseca:
"O fenômeno da globalização resulta da conjunção de três forças poderosas:
1) a terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial; engenharia genética);
2) a formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (como o Mercosul, a União Européia e o Nafta);
3) a crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros, em escala planetária".
Discorda o jornal francês "Le Monde", em recente dossiê sobre a "mundialização", como os franceses insistem em chamar a globalização.
Lembra, primeiro, que "o comércio entre nações é velho como o mundo, os transportes intercontinentais rápidos existem há vários decênios, as empresas multinacionais prosperam já faz meio século, os movimentos de capitais não são uma invenção dos anos 90, assim como a televisão, os satélites, a informática".
O que "Le Monde" chama de "novidade" é "a desaparição do único grande sistema que concorria com o capitalismo liberal em escala planetária, ou seja, o comunismo soviético".
Aí, sim, fecha-se o ciclo, porque o fim do comunismo permite globalizar de fato o capitalismo, com todas as implicações decorrentes: aumento no fluxo de comércio, de informações e de expansão das empresas multinacionais para mercados antes fechados.
Tudo somado, tem-se que a "a mundialização é bem mais que uma fase suplementar no processo de internacionalização do capital industrial em curso desde faz mais de um século", como escreve, para este caderno, o especialista francês François Chesnais.
Chesnais prefere ao que chama "termo vago" ("mundialização") definir esse fenômeno como "regime mundializado de dominação financeira".
Tem certa razão: a globalização ainda é, acima de tudo, um fenômeno financeiro.
A crise das bolsas é uma prova: a um simples toque de computador, bilhões de dólares se evaporam em Hong Kong e reaparecem em Nova York, por exemplo.
Mas é preciso bem mais do que isso para tirar uma fábrica da Alemanha e instalá-la no Brasil, por exemplo.
É por tudo isso que o especialista britânico Anthony McGrew (Universidade Aberta do Reino Unido) lista três tendências nos analistas da globalização, a saber:
1) os "hiperglobalizantes", os que acham que a globalização define "uma nova época" na história da humanidade, em que "as tradicionais nações-Estado tornaram-se não-naturais, até mesmo unidades de negócio impossíveis em uma economia global". É o caso do japonês Kenichi Ohmae;
2) os céticos. São os que entendem que os fluxos atuais de comércio, investimento e mão-de-obra não são superiores aos do século passado;
3) os "transformalistas". Têm uma visão intermediária. Admitem que os processos contemporâneos de globalização não têm precedentes, mas acham que resta um papel para os governos nessa história, desde que se adaptem a um mundo em que já não há uma distinção clara entre assuntos domésticos e internacionais.
Apontam, ainda, um novo padrão de inclusão e exclusão social na economia globalizada.
Até os nômades
No fundo, acaba sendo indiferente qual o rótulo que se prefira. As mudanças provocadas pela globalização não poupam nem sequer os personagens em tese mais independentes.
Tome-se o caso dos beduínos da Arábia Saudita. São nômades, o que, por definição, quer dizer independentes, isolados do mundo. Fazem seu próprio estilo de vida, imutável há séculos.
Era imutável.
O custo de sustentar seus camelos, meio de transporte e de vida para todos eles, no trabalho de pastoreio, tornou-se insuportável. E já não conseguem enfrentar a concorrência oferecida pelas ovelhas importadas (à razão de 12 milhões ao ano) de lugares tão distantes como o Uruguai ou a Nova Zelândia.
Se os nômades puderam produzir um símbolo, Lawrence da Arábia, como emblema do mundo pré-globalização, o mundo contemporâneo é, ao contrário, uma cacofonia de símbolos facilmente reconhecíveis, em qualquer lugar em que se esteja, da Coca-Cola à Toyota, da Nike ao McDonald's.

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