São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
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Alguns dilemas que ficaram

CELSO PINTO

O pacote fiscal do governo foi, de forma geral, bem recebido pelo mercado, especialmente por ser bem maior do que se imaginava. Não eliminou, contudo, todas as desconfianças sobre o futuro.
O problema é que ele foi feito em meio a uma emergência, num momento muito desconfortável. O principal impacto recessivo não veio do pacote fiscal de ontem, mas da brutal elevação dos juros. As medidas fiscais, contudo, ajudarão a desacelerar o consumo, especialmente pelo impacto do aumento dos impostos e pelo baque nas expectativas dos indivíduos e das empresas.
O governo falou numa "hipótese de trabalho" de um crescimento de 2% no próximo ano. Edmar Bacha, um dos pais do Real, hoje no Banco BBA, acha que o crescimento em 98 ficará em 1,5%, o desemprego entre 8% e 9% e a inflação em 3%. Mauro Schneider, economista do Banco ING Barings, acha que o crescimento vai chegar, no máximo, a 2%. Outro banco de investimentos passou a trabalhar com projeção entre 0% e 1%.
Ninguém discute que, ante a emergência em que o Brasil se meteu, não havia muita alternativa. Cenários de crescimento de 0% a 2% num ano de eleição presidencial, contudo, acabam introduzindo duas dúvidas: 1) será que o governo não teria inchado o pacote para poder retirar fatias dele mais à frente? 2) será que as chances de o presidente ser reeleito não ficam comprometidas?
Tem razão quem disser que o mesmo mercado que reclamava um duro pacote fiscal não pode, ao mesmo tempo, reclamar que, se ele for implementado com rigor, pode gerar incertezas políticas. É verdade que parte do mercado acredita que a defesa do Real e da inflação baixa é o melhor passaporte do presidente para a reeleição. Bacha lembrar, com razão, que o presidente argentino, Carlos Menem, foi reeleito com queda de 4,6% do PIB e desemprego perto de 20%.
As dúvidas, contudo, são inevitáveis. Também é verdade que, quanto mais bem-sucedido for o pacote fiscal, mais rápido, teoricamente, o governo pode reduzir os juros a níveis mais razoáveis.
De todo modo, a conta de juros será brutal. Schneider, por exemplo, estima que os juros médios ficarão em 30% em 98 ou uns 25% acima da inflação. A conta de juros, em termos nominais, era estimada em 5% do PIB. O salto nos juros custará 1,5% do PIB a mais, engordando esta conta para 6,5% do PIB. Se o pacote fiscal conseguir reduzir esta conta para 5% do PIB, diz ele, será uma vitória.
Cláudio Haddad, principal executivo do Banco Garantia, acha que, "se o pacote for implementado como está, será um sinal forte de que o governo está disposto a defender o Real". Velho crítico de aumentos de impostos, ele acha justificável incluir alguns aumentos em caráter emergencial.
Bacha acha que o pacote teve a sabedoria de dividir os custos entre muitas áreas, tornando mais fácil absorver politicamente alguns cortes. Ele calcula, por exemplo, que os Estados vão perder acesso a uns R$ 2 bilhões, com as restrições a vários tipos de financiamento, mas vão receber de volta uns R$ 900 milhões com sua participação no aumento de IPI e do Imposto de Renda.
O pacote, na verdade, foi algo anabolizado, pela inclusão de algumas medidas previsíveis, como um aumento normal de tarifas, e outras rotineiras, como o combate a fraudes em gastos sociais e contrabando. Incluiu, ainda, várias medidas em estudo há tempos, como o corte de funcionários.
Em parte, o pacote cortou intenção de gasto, embutida no Orçamento de 98, e não gasto real. Embora, como observa Bacha, seja mais difícil cortar antes, por explicitar quem vai perder, do que depois (basta segurar liberações no caixa).
Várias medidas vão antecipar a entrada de recursos. Ao permitir que fornecedores de insumo para exportação também possam usar Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACC), o governo aumento muito a demanda por esses recursos. São, em geral, linhas que os bancos externos mantêm, porque são de curto prazo e estão ligadas a operações concretas. Com a diferença de custo entre o ACC e a remuneração interna possível em reais, a medida serve tanto para acelerar a entrada de dólares como dar uma remuneração a mais para setores ligados, ainda que indiretamente, à exportação.
Os recebíveis da Eletrobrás entram na mesma categoria: é um dinheiro mais fácil de captar, porque tem garantia real, e pode render uns US$ 10 bilhões. Incluir concessão de estradas federais no programa de privatização tem a vantagem de engordar, diretamente, a receita fiscal, melhorando o resultado imediato (ao contrário do impacto indireto dos recursos da privatização).
Na área externa, o pacote terá um impacto forte, especialmente pela redução no crescimento econômico. Bacha calcula o déficit comercial em pouco mais de US$ 5 bilhões em 98, e Schneider, em US$ 7 bilhões. Continuará posto, contudo, o desafio da competitividade. Se o pacote resultar numa redução do déficit público e não só numa compensação do aumento da conta de juros, ele implicará um aumento da poupança interna, ajudando a reduzir o déficit externo.
Alguns economistas, contudo, acham que a valorização cambial só seria compensada por uma forte redução de salários reais, o que pressuporia uma recessão longa (e improvável).
O que o pacote não afasta, de vez, são os fantasmas externos. "Existe muita preocupação sobre eventos sobre os quais o Brasil não tem controle", observa Michael Pettis, diretor do Banco Bear Sterns em Nova York. Um colapso da Coréia, ou da Rússia, poderia engolfar o Brasil.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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