São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Governo não pode viver acima das suas posses", afirma Malan

DA REDAÇÃO

Leia a íntegra do pronunciamento dos ministros Pedro Malan e Antonio Kandir.
*
Pedro Malan - "Eu queria pedir desculpas pelo atraso e avisar desde o início, para que não haja problema de compreensão, que nós organizamos esta conversa da seguinte maneira: eu vou fazer uma intervenção inicial, após se seguirá uma intervenção do ministro Kandir. Depois nós temos que sair, e eu, em particular, tenho uma reunião de trabalho com o presidente Fernando Henrique Cardoso, o presidente Menem e o ministro Roque Fernandes, mas ficarão aqui os secretários gerais dos dois ministérios, Alberto Mendonça de Barros e dr. Amaury Beer, para apresentar detalhadamente a lista e responder perguntas. Dito isso, deixem-me começar.
Como é do conhecimento de todos, o governo brasileiro decidiu promover um rigoroso ajuste fiscal de efeito imediato.
As medidas que estamos anunciando hoje contemplam tanto cortes pelos lados dos gastos públicos, quanto aumentos de receitas. Em seu conjunto, representam um ganho fiscal da ordem de R$ 20 bilhões.
Vocês verão no texto que será distribuído, no detalhamento das medidas, que essa é uma estimativa conservadora. Inúmeras das medidas estão listadas aqui, que são cerca de 50. Na verdade, são estimativas do valor (do ganho fiscal). Consta ainda um não-disponível do qual nós resolvemos só colocar uma estimativa quando a medida contemplar um ato, como uma medida provisória ou um decreto ou algo específico, que tem funcionamento imediato. Portanto, não existem aqui expressões tipo esforço de arrecadação, recursos a definir. São medidas concretas que estão sendo tomadas e que, a nosso ver, gerarão um expressivo superávit primário ao longo dos próximos meses.
Antes de entrar em detalhes sobre as medidas, eu gostaria de enfatizar alguns pontos. O primeiro deles é o seguinte: que esta decisão não significa, de forma nenhuma, uma mudança de rumo em termos das linhas gerais de condução da política econômica. Pelo contrário, ela constitui uma reafirmação do conhecido compromisso do governo com a reorganização do Estado e com a redução do desequilíbrio fiscal do setor público consolidado. Esse tem sido não só o nosso discurso, como também a nossa prática, uma prática agora acelerada à luz das turbulências por que passam os mercados internacionais e que não parecem ser de curta duração.
Nós temos uma tranquila e serena convicção de que a melhor resposta que o país pode e deve dar a essas turbulências seguramente não é a de nos considerarmos vítimas passivas de eventos externos fora do nosso controle, mas é antes um redobrar os nossos esforços em relação ao processo de reformas em andamento, bem como acelerar a discussão sobre sua continuidade e aprofundamento. Da mesma forma com o superávit primário que estará sendo gerado, assim como algo que todos os analistas estão hoje já realizando fora do governo, que é uma revisão para baixo do déficit em conta corrente do balanço de pagamento. Nós estamos convencidos que, à medida que caminhamos para reduzir o déficit do setor público consolidado, bem como o déficit do balanço de pagamento já incorporado em todas as previsões que estão sendo feitas agora para o ano de 1998, será possível caminhar no processo de redução das taxas de juros.
Eu queria enfatizar que o empenho do governo não se restringe a este conjunto de medidas que hoje está sendo anunciado na área fiscal. Nós vamos também ampliar o esforço do processo de privatização, trazendo mais ativos públicos ao processo em forma que será explicada nos próximos dias, demonstrando claramente a nossa capacidade de financiar da maneira mais expressiva, internamente, o desenvolvimento econômico e social do país. Com efeito, nosso objetivo fundamental -e não é a primeira vez que dizemos isso- é aumentar a poupança interna, reduzindo o peso relativo da contribuição da poupança externa e eu já mencionei essa previsão para baixo dos déficits em conta corrente que estão sendo realizados.
Não poderia deixar de mais uma vez reiterar um compromisso já feito inúmeras vezes, mas que eu queria reafirmar aqui: nós não pretendemos, como governo, abrir mão do compromisso com o controle da inflação que, como é sabido, é um imposto inflacionário que incide desproporcionalmente sobre os mais pobres.
Por último, porque eu não queria me estender em demasia nesta breve introdução, eu queria notar que devemos uma satisfação à sociedade, à imprensa e à opinião pública, que nem todos tem o tempo, as condições, os meios, o interesse ou mesmo a paciência de acompanhar eventos do contexto internacional e que, portanto, pode parecer àqueles que não têm essas condições que esse conjunto de medidas que estaremos anunciando hoje vem como uma espécie de surpresa, algo desnecessário. A nosso ver não o é. É absolutamente indispensável uma resposta correta e apropriada do país a uma turbulência externa que nós achamos que terá alguma duração. É um redobrar da aposta que nós fazemos da nossa capacidade de, como país, continuar o processo de reestruturação do setor produtivo, de reorganização do Estado, de redução do seu déficit público e de reconstrução institucional.
Estamos convictos de que o resto da sociedade compreenderá, ao analisar o conjunto de medidas, que essa era e é a resposta adequada à situação que nós estamos vivendo e que ela não é uma ruptura com a maneira pela qual vinha sendo conduzida, pelo contrário, é uma reafirmação das linhas gerais da política.
Àqueles que não são especialistas -como os que estão nesta sala-, àqueles que procuram entender o porquê das medidas que estão sendo anunciadas hoje, eu gostaria de dizer algo que talvez seja uma maneira de exemplificar, simplificando ao extremo, mas chamando a atenção para o fato, que eu acho que cada cidadão, cada família brasileira, independentemente do seu nível de renda, será capaz de perceber, porque vem da sua experiência cotidiana, da experiência de famílias que conhecem, de parentes, amigos e conhecidos. O fato é o seguinte: nenhuma família, nenhum indivíduo pode, por um período prolongado de tempo, viver gastando mais do que seus rendimentos. A forma de fazê-lo é acumular dívidas que em algum tempo levam problemas de não renovação, extensão do crédito, perda do crédito da pessoa ou da família que gasta mais do que recebe e que exige algum tipo de ajuste.
O ajuste pode ser procurar aumentar os rendimentos, incorporar mais membros recebendo algum tipo de renda à estrutura familiar, cortar certos tipos de gastos. Essa é a analogia que eu gostaria de deixar para os não-especialistas, portanto, não aqueles que se encontram nesta sala, que em governos não é muito diferente disso. Nenhum governo pode, por um período excessivamente prolongado de tempo, viver acima das suas posses, gastando mais do que arrecada, e há limites para o endividamento tanto interno quanto externo em situações como essa.
Nós queremos, portanto, resolver o problema na raiz, nos seus fundamentos, que é adequando o gasto e a qualidade do gasto do governo a sua real capacidade de arrecadação e, volto a dizer, setor público para nós é o executivo federal, são os 27 Estados, 5.525 municípios, é a Previdência Social e o conjunto das empresas públicas federais, estaduais e municipais. É esse conjunto que nós denominamos setor público consolidado e é esse déficit que nós vamos, com este conjunto de medidas, realizar uma redução expressiva, que é a nossa resposta adequada ao momento presente.
Era isso o que eu gostaria de dizer à guisa de introdução e passo a palavra ao ministro Kandir e depois, Pedro Parente, Martos, Amaury e José Roberto estarão entrando em detalhes nas quase 50 medidas que foram aprovadas pelo presidente da República e que constituem a resposta do governo aos desafios da hora presente e a preservação do real, objetivo do qual não pretendemos abrir mão em benefício não do governo, mas da esmagadora maioria da população brasileira. Ministro Kandir, o senhor tem a palavra."

Antonio Kandir - "Em momentos como este é absolutamente fundamental que o governo expresse com absoluta clareza as suas intenções e o que está fazendo. Por essa razão, ainda que seja uma exposição breve, eu gostaria de deixar bem clara a organização desta exposição.
Primeiro eu gostaria de deixar bem claro o que está sendo feito; segundo, porque está sendo apresentado esse conjunto de medidas; terceiro, quais são os principais números relativos a essas medidas que nós estamos apresentando; quarto, quais são as principais medidas; quinto, o enfoque adotado com essas medidas e, finalmente, sexto, quais são as consequências esperadas e os passos futuros.
Em primeiro lugar, com relação ao que de fato nós estamos agora anunciando. Não há a menor dúvida que tem uma parte importante. A mais importante é, sem dúvida nenhuma, o esforço fiscal bastante forte, mas é preciso dizer que, ao lado dessas medidas, que incluem um conjunto de iniciativas que implicam num esforço fiscal forte, nós estamos criando as condições para aumentar a musculatura do país para enfrentar um desafio de competitividade e por essa razão estão sendo tomadas também medidas importantes no sentido de ampliar fortemente o nosso esforço de exportações e, ao lado disso, são tomadas também medidas no sentido de valorizar a produção nacional, aumentar a defesa da economia brasileira com relação às importações de natureza fraudulenta. Por essa razão é que uma das medidas é o estabelecimento de um processo de valorização aduaneira que permitirá o combate claro e inequívoco a todas as importações subfaturadas.
Ao lado disso, estão sendo tomadas medidas também importantes no sentido de estimular fortemente as pequenas e médias empresas, através de criações objetivas para seguro nas operações de empréstimos às pequenas e médias empresas. E, ao lado disso, estamos também tomando medidas importantes no que diz respeito ao programa de privatizações. O que nós estamos procurando estabelecer claramente é uma ampliação bastante substancial do programa de privatizações que vamos apresentar em seguida.
Em segundo lugar, por que isso está sendo feito? É preciso dizer com toda clareza, nós estamos enfrentando, o mundo todo enfrenta, um momento de enorme desafio. As crises dos diversos países no sudeste asiático são crises que poderão ainda ter desdobramentos importantes e é por essa razão que o governo precisa se preparar para criar as condições para uma mobilização nacional, no sentido de criar um conjunto de garantias para que o real permaneça uma moeda forte.
A idéia, a importância de se criar uma série de condições para que o real seja forte, não é uma questão do presidente da República, da equipe econômica ou da equipe de governo. A sociedade brasileira conquistou uma moeda forte e precisa, realmente, enfrentar com todo o rigor e com toda a organização esse desafio internacional. Nós não somos um país-avestruz. Nós pretendemos enfrentar essa crise de frente.
Essa crise certamente, daqui a algum tempo, dividirá os países entre aqueles países que tiveram a coragem de enfrentar a crise de frente e reconhecer que são necessários alguns esforços no curto prazo, mas que resultam em resultados importantes em termos de crescimento a médio e longo prazo e não fazer de conta que a crise não existe, olhá-la de lado e, mais cedo ou mais tarde, ter um aprofundamento de crise como, infelizmente, alguns países estão enfrentando no sudeste asiático.
Vários desses países estão com desvalorização das suas moedas de 40%, 50%, 60%. Estão enfrentando desestruturações nos seus sistemas financeiros. Aqui não. Aqui nós estamos procurando enfrentar e demonstrar com toda a clareza qual é, de fato, a situação. Porque nós estamos tomando essas medidas é o que o Martos, o Amaury, Pedro Parente e o José Roberto como um todo vão detalhar para os senhores, porque de fato são tomadas cada uma das 50 medidas que estão sendo apresentadas e porque elas são necessárias para enfrentar essa situação.
Em terceiro lugar, queria dar uma idéia bastante geral dos principais números. Nós estamos falando de um esforço, como disse o ministro Malan, de pelo menos R$ 20 bilhões, ou seja, na verdade, vocês vão ver nessas listas que muitas das iniciativas não estão com seu valor, a sua expectativa de valor estabelecida."(Segue)

Texto Anterior: Para Fipe e Dieese, pouco muda na taxa de inflação
Próximo Texto: O QUE MUDA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.