São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
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Entenda a origem do pacote e os seus efeitos na economia

Entenda a origem do pacote e os seus efeitos na economia
1. Qual a origem da crise atual, no mundo e no Brasil?
A crise foi deflagrada em julho, quando a Tailândia se tornou o primeiro país do Sudeste Asiático a sofrer um ataque especulativo. Depois de defender sua moeda durante meses, o governo foi obrigado a optar pela flutuação, o que provocou desvalorização imediata.
2. O que é ataque especulativo?
Ele reflete a desconfiança generalizada dos investidores estrangeiros de que o governo de um determinado país não vai conseguir defender a cotação de sua moeda. Dessa maneira, eles se antecipam, comprando dólares, o que provoca uma crise cambial.
3. O Brasil sofreu ataque especulativo?
O próprio ministro do Planejamento, Antonio Kandir, admitiu que o Brasil foi alvo de um ataque. A alta dos juros foi a primeira reação do governo para se proteger desses ataques.
4. Por que os juros altos são necessários?
É uma tentativa de atrair dólares para o país, invertendo o fluxo de capitais. O investidor estrangeiro deveria, em princípio, ficar mais interessado em colocar seu dinheiro numa moeda que, da noite para o dia, passa a oferecer o dobro de remuneração.
5. A alta dos juros não foi suficiente?
O pacote de ontem é o maior indício de que não foi. Depois do choque de juros, o governo partiu para o choque fiscal, uma clara sinalização, aos investidores estrangeiros, de que não vai mexer na cotação da moeda.
6. Qual a garantia de que as medidas de ontem serão suficientes?
Não há garantias. Há apenas esperança. Depende da reação dos investidores estrangeiros, o que só poderá ser avaliado com segurança após o mercado internacional digerir o alcance do conjunto das medidas.
7. O pacote é só o que foi anunciado ontem ou vem mais?
Em princípio, é isso, o que não é pouco. Depois de anunciado o pacote, FHC falou sobre empresas e IR. O que vier a mais, no entanto, teria o caráter complementar, não de outro pacote. Há até uma interpretação segundo a qual o governo exagerou no tamanho do pacote para ter margem de manobra ao negociar com o Congresso.
8. Por que a Ásia influenciou o Brasil?
Por dois motivos. Primeiro porque, com o globalização, não existem mais fatos econômicos relevantes isolados. A queda de uma Bolsa cria o efeito dominó. Segundo porque há muitas semelhanças entre os países asiáticos e o Brasil, como a fragilidade das contas externas. O mercado internacional foi rápido ao traçar um paralelo entre as duas situações.
9. Por que a crise das Bolsas contaminou a economia?
Porque houve fuga de capitais por parte de investidores que tinham dinheiro aplicado na Bolsa. Esse movimento provocou uma crise cambial, que foi reconhecida até pelo governo.
10. Por que a evasão de divisas ameaça o Plano Real?
Porque a base de sustentação do plano é o câmbio. Desde que foi implantado, em 94, se falava em âncora cambial. Todo o esforço antiinflacionário, que tem sido vitorioso, depende do fluxo positivo de capital estrangeiro para compensar a perda (prevista desde o início) nas contas correntes.
11. O câmbio está sobrevalorizado?
Não há dúvida de que sim. A questão é em quanto. Não há uma resposta única. Estima-se que hoje esteja menos sobrevalorizado do que no início do plano. Hoje, as avaliações vão de 5% a 15%. Já teria sido de até 40%.
12. Há perigo de desvalorização da moeda?
Se o pacote for bem aceito, não, pelo menos por enquanto. Se não for bem-sucedido, o governo talvez não tenha outra alternativa para enfrentar a crise. A desvalorização é a última coisa que o governo faria -o que não quer dizer que não possa ser a próxima.
13. Por que o governo não desvaloriza a moeda de uma vez?
Por dois motivos, principalmente. A credibilidade do governo seria colocada em xeque, já que FHC erigiu a moeda forte como um dos pilares de seu governo. Em segundo lugar, a desvalorização teria forte impacto sobre os custos das empresas, que tentariam repassá-lo, o que pressionaria a inflação, ameaçando o Plano Real.
14. O que vai acontecer com a inflação?
O pacote joga pressões antagônicas sobre os preços. De um lado, o impacto recessivo das medidas deve reduzir a inflação. De outro, o aumento do preço dos combustíveis tem efeito multiplicador sobre os preços em geral. As próximas semanas dirão qual das duas pressões foi mais forte.
15. O pacote coloca o Brasil na rota da recessão?
Não há dúvida que ele tem forte impacto recessivo. Ou seja, o crescimento será menor neste e no próximo ano, pelo menos. A recessão se caracteriza, tecnicamente, quando o PIB (a soma de riquezas geradas no país) cai por dois trimestres consecutivos. Por enquanto não se prevê essa possibilidade que, no entanto, também não está automaticamente afastada.
16. O Brasil ainda pode sofrer outro ataque especulativo?
Se o pacote for bem aceito, as chances tornam-se mais remotas, mas nunca afastadas definitivamente. É bom lembrar que a Tailândia sofreu vários ataques antes de ceder aos especuladores, em julho.
17. Como o cenário internacional pode influenciar a situação no Brasil?
É importante prestar atenção em três áreas: Ásia, América Latina e Estados Unidos.
A Ásia porque foi lá que tudo começou, e a situação está longe de estar resolvida.
Na América Latina, o que interessa mais de perto é o México e a Argentina. Investidores tendem a ver a região como um todo.
Nos EUA, será importante acompanhar o que vai acontecer com juros. Amanhã, haverá reunião no Fed (o banco central dos EUA) para decidir se os juros sobem. A expectativa é que sejam mantidos. Uma alta dos juros lá piora a situação do Brasil, por ser um motivo a mais para os investidores comprarem dólar (vendendo real).
18. O aperto será temporário? Quanto tempo pode durar?
Depende da medida. O aumento no Imposto de Renda, por exemplo, deve vigorar só em 1998 e 1999. Outras não têm prazo definido. Quanto aos juros, o Banco Central disse que começam a cair, gradualmente, dentro de dois meses.
19. A crise vai comprometer a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso?
É cedo para dizer isso. Mas que é um revés para o governo, disse não há dúvida. Nenhum presidente gostaria de tentar a reeleição com o país em recessão. Mas para FHC seria pior ainda se houvesse recrudescimento inflacionário porque a estabilidade é o único trunfo eleitoral que ele pode utilizar. Ou seja, do ponto de visto político um pacote recessivo é o mal menor.

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