São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
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Apenas um passo intermediário

LUÍS NASSIF

O pacote anunciado ontem conseguiu conter o último ataque dos apaches. Mas não significou a derrota dos índios. A idéia inicial é ganhar tempo enquanto se pensa em saídas contra o próximo ataque. O desafio maior continua a ser: como conseguir US$ 60 bilhões para fechar as contas externas no próximo ano? E essa resposta o pacote não tem.
Assim como outros pacotes, o de ontem consistiu em duas ou três medidas de impacto e uma raspada nas gavetas dos ministérios, juntando providências óbvias ou já em andamento.
A rigor, as três medidas de maior impacto são o congelamento da folha de salários da União, o aumento de impostos e a criação do Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) indireto -permitindo o acesso ao fornecedor do exportador.
No primeiro caso, a folha da União está em R$ 45 bilhões/ano. Tinha um acréscimo previsto de 10%. Congelando e impedindo reajustes automáticos, pode-se chegar a uma economia de R$ 4,5 bilhões.
Em relação ao ACC, significa uma maneira de estimular as exportações via incentivo financeiro, valendo-se do diferencial de juros em relação às taxas normais de mercado. A extensão aos fornecedores vinha sendo discutida há tempos, no âmbito do Banco Central, devido à dificuldade de controle operacional.
Ganho fiscal
No geral, o pacote poderá implicar economia de R$ 20 bilhões -um impacto considerável, mesmo em relação às expectativas de mercado. O secretário de Polícia Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, sustenta que os números previstos são factíveis.
No ano passado, as previsões obedeciam mais à vontade do que à realidade, e acabaram esbarrando na histórica incapacidade de operacionalizar medidas complexas. Desta vez, as medidas mais relevantes são de implementação automática, dentro da própria rotina da máquina pública, diz Mendonça de Barros.
Balança comercial
A criação do imposto geral de 3% sobre todas as importações -seguindo o modelo argentino- trará algum alívio na área externa. Mas as importações serão afetadas também pela cobrança do IPI sobre diversos itens e, principalmente, pela recessão, provocada não pelo pacote, mas pelos juros.
As medidas mais relevantes de redução das importações -a alta das alíquotas- ainda dependem de negociações com o Mercosul, especialmente a Argentina. O anúncio deve se dar nas próximas semanas.
Desafio externo
Mesmo sendo útil para interromper o pânico dos últimos dias, há muito a ser feito para devolver a calma ao mercado.
Por mais que se insista no front fiscal, o grande desafio está na área externa. Estimativas da Tendência Consultores Associados indicam a necessidade de US$ 60 bilhões para fechar as contas externas este ano -US$ 10 bilhões da balança comercial, US$ 26 bilhões da conta de serviços, US$ 22 bilhões de amortização e US$ 2 bilhões de curto prazo. Para o próximo ano, as estimativas iniciais eram de US$ 63 bilhões, por conta de aumento das amortizações.
Uma melhoria substantiva na balança comercial significaria ganhos de, no máximo, US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões. Portanto, persiste a necessidade de recursos adicionais da ordem de quase US$ 60 bilhões.
Nos próximos meses, dificilmente o governo deixará de providenciar um colchão de liquidez junto às instituições internacionais.
Impactos inflacionários
Não se deve descartar algum impacto inflacionário das últimas medidas. Afora algumas implicações diretas -aumentos de combustíveis e futuro aumento de produtos importados-, a própria elevação de juros deverá trazer impactos sobre preços de produtos vendidos a prestação, devido a vícios ainda não resolvidos na coleta de preços.
Em geral, o comércio calcula o valor da prestação de acordo com os juros cobrados. Depois, multiplica o valor pelo número de prestações, como se fosse o preço à vista. E vende em "prestações sem acréscimo".
Uma alta de juros de 6% para 10% ao mês, para vendas em quatro prestações a prazo, significa um impacto de 15% sobre o preço levantado pelas instituições de pesquisa de preços.
Provavelmente a recessão impedirá o repasse para preços, mas aprofundará as dificuldades das empresas.
Duas medidas
As duas medidas que ficaram de ser anunciadas posteriormente foram a securitização de recebíveis da Eletrobrás junto a Itaipu e contratos de parceria da Petrobrás, com financiamento do BNDES, que permitiriam de imediato o ingresso de investimento externo.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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