São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 1997
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O pacote fiscal

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Tardio, doloroso e insuficiente. São os três adjetivos que melhor descrevem o pacote anunciado pelo governo na última segunda-feira. O ajuste das contas públicas, que poderia e deveria ter sido feito ao longo de três anos de governo, foi costurado, às pressas, durante um fim-de-semana.
Há algo de profundamente errado no discurso chapa-branca a que temos sido submetidos no passado recente. Passaram anos dizendo à opinião pública que o governo estava de mãos atadas pela irracionalidade da Constituição, que a diminuição do déficit público e a consolidação do Real dependiam das reformas constitucionais encaminhadas pelo Executivo ao Congresso.
Pois bem. Premido pela crise econômico-financeira, o governo conseguiu, em poucos dias, tirar da gaveta um pacote que supostamente reduz o déficit público em R$ 20 bilhões, o equivalente a quase 2,5% do PIB. Um ajuste fiscal poderoso, portanto. Note-se que a esmagadora maioria das medidas não depende do Congresso -e muito menos de emendas constitucionais- para entrar em vigor.
A opinião pública, perplexa, fica sem saber se estavam mentindo antes ou se estão mentindo agora. Evidentemente, uma coisa não exclui a outra.
Seja como for, o pacote traz a marca da improvisação. Agora, todos percebem que o governo fez a aposta errada e foi pego no contrapé. Baseou toda a sua política econômica na premissa temerária de que o capital internacional financiaria, sem maiores problemas, os déficits do Plano Real. Não esperava a deterioração do cenário internacional. Supunha que poderia seguir tranquilamente na sua trajetória de ajuste muito gradual, deixando para depois da reeleição do presidente da República as decisões politicamente difíceis que o ajustamento da economia requer.
Houve lances grotescos. Logo no início da crise no Sudeste Asiático, um alto funcionário do Banco Central (que, agora mais do que nunca, deve permanecer anônimo) declarou que a crise da Tailândia e outros países daquela região iria nos beneficiar, pois os capitais que estavam fugindo de lá acabariam fluindo para o Brasil...
De repente, tudo mudou. O Plano Real, principal trunfo político de FHC, corre sérios riscos, decorrentes dos erros e omissões do próprio governo. Não houve alternativa senão adotar, de afogadilho, decisões dolorosas nos campos monetário e fiscal. As medidas não teriam esse caráter improvisado, nem seriam tão dolorosas, se o ajustamento não tivesse sido postergado durante todos esses anos, na expectativa -que agora se revela infundada- de que o Brasil teria amplo acesso a capitais externos por período prolongado.
Não há dúvida que, no ponto em que chegamos, era indispensável tomar providências para tentar diminuir o déficit público. Primeiramente, por causa do choque de juros produzido pelo Banco Central na semana passada. A brutal elevação das taxas pode ser benéfica, pelo menos no curto prazo, para as contas externas. Mas tem efeitos desfavoráveis sobre as contas públicas. A desaceleração da atividade econômica, que melhora a balança comercial, piora o déficit público, uma vez que deprime a receita tributária e aumenta certos tipos de gasto, como por exemplo as despesas com o seguro-desemprego.
Além disso, os juros altos, que podem atrair capital externo e facilitar o refinanciamento dos passivos internacionais do país, elevam o custo da dívida pública interna, a maior parte da qual é de prazo curto. A fenomenal elevação das taxas de juros irá, também, reverter o processo de alongamento gradual da dívida mobiliária federal, que estava em curso no passado recente.
Se depois do choque de juros promovido pelo Banco Central o governo nada fizesse em termos de ajustamento fiscal, o déficit público, que já é considerado alto, subiria ainda mais. Ora, uma das razões da vulnerabilidade brasileira é o déficit público relativamente elevado.
Não é difícil entender por quê. Um Estado como o brasileiro, que está apenas emergindo de uma longa e grave crise financeira, não pode contar com acesso substancial a crédito de longo prazo. Nessas condições, se o déficit permanece alto ou até aumenta, como aconteceu na fase inicial do Plano Real, a dívida de curto prazo cresce rapidamente, retardando a consolidação do programa de estabilização. Tanto mais que a acumulação de reservas internacionais e as operações de socorro a bancos -Proer e outras- também contribuíram de forma expressiva para a ampliação da dívida federal nos anos recentes.
Reconhecer que o ajuste fiscal é necessário não significa, evidentemente, apoiar o tipo de medida que o governo anunciou na segunda-feira. O pacote do governo é omisso em diversos pontos e contém muitos aspectos criticáveis ou duvidosos, que a falta de espaço não permite comentar no artigo de hoje.
Mas vale a pena mencionar um aspecto que é central. Como ressaltou um dos editoriais da Folha de ontem, as medidas tomadas ou anunciadas até agora não tocam na principal fonte de vulnerabilidade da economia brasileira: a sobrevalorização cambial. Enquanto esse problema não for enfrentado, o Brasil não sairá da zona de risco.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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