São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 1997
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A racionalidade irracional

LUÍS NASSIF

Um dos aspectos mais intrigantes -e menos estudados- dos grandes movimentos especulativos são os impulsos que comandam os reflexos dos investidores, especialmente em momentos como o atual, nos quais fica quase impossível traçar cenários rápidos em cima do acúmulo de informações novas recebidas.
Tempos atrás, quando a Bolsa brasileira era muito menor e sujeita frequentemente a interferências de autoridades -fixação de tarifas, de ORTNS, mudanças abruptas de juros, pacotes etc.-, o mercado caminhava para cima ou para baixo em cima de padrões de comportamento que pouco tinham a ver com os chamados "fundamentos" da economia. Mas que podiam ser claramente previstos.
Às 9h da manhã reuniam-se os operadores das diversas instituições. À falta de dados mais consistentes, dados os frequentes processos hiperinflacionários, o exercício de cenário mais utilizado consistia em ler horizontalmente as notícias dos jornais, muitas delas irrelevantes em relação aos chamados "fundamentos" da economia, e, a partir delas, tentar "adivinhar" para onde caminharia o mercado.
Acabava se firmando um padrão segundo o qual a declaração assim e assado de uma autoridade levantava o mercado, o espirro de um deputado derrubava, e assim por diante. Fatos e declarações sem nenhum peso no mundo real.
Era possível, aos mais experientes, prever empiricamente esse padrão de comportamento. Recentemente, no governo Itamar Franco, o mercado definiu um padrão hilariante, porém real. A cada duas semanas, Itamar tinha um acesso verborrágico. Em cima desse ciclo, o mercado caía sempre dois ou três dias antes do acesso e voltava a subir no acesso.
Psicologia do investidor
Como anota com muita propriedade o leitor Fernando Ferreira Bonilha -que me chamou a atenção para esse tema-, "depois do estudo dos 'aspectos essenciais' dos ativos, a reação dos investidores será sempre a mesma: medo ou ganância; ou seja, toda a racionalidade servirá apenas para ativar instintos básicos da natureza humana em diferentes graus de intensidade".
Essa observação fica muito nítida em dois episódios clássicos da especulação nacional e internacional. O primeiro, na grande crise de Naji Nahas, em 1989. Qualquer analista isento -isto é, que não misturasse análises com aplicações em Bolsa- sabia que o movimento de alta estava com os dias contados. A economia afundava, após o fracasso do Plano Verão, e, como dois e dois são quatro, as taxas de juros iriam explodir. Mesmo assim, economistas competentes perderam muito dinheiro, ao tentar encontrar justificativas estapafúrdias para sustentar as análises otimistas -tipo, a inflação vai subir, os dólares vão evaporar, logo as empresas exportadoras vão ganhar rios de dinheiro. Tudo porque estavam "comprados" e permitiram que a emoção sufocasse a análise. Nem se diga que era fria manipulação. Eles acreditaram mesmo, tanto que perderam muito dinheiro.
México em alta
O segundo episódio foi na própria crise do México. Dez dias antes, executivos do Morgan incluíam o México na relação dos países de menor risco da América Latina; o Brasil, como o de maior risco.
Três meses depois, o México era risco máximo e o Brasil, risco mínimo. Isso porque, com as velhinhas americanas escaldadas pela crise do México, havia a necessidade de criar uma nova fantasia, que permitisse manter os níveis de captação de seus fundos.
Agora mesmo, o aparente entusiasmo com que alguns bancos estrangeiros encararam o recente pacote econômico está muito mais ligado a uma vontade (afinal, eles estão no mesmo barco) do que a uma análise racional da realidade.
Não significa que o Brasil não tenha bons fundamentos econômicos, ou que o pacote não tenha sua dose de eficácia. Significa apenas que esses analistas se comportam como torcedores, porque o Brasil afundando, seus fundos dançam.
"Acredito ser o mercado o resultante da interação das reações desses diversos agentes, portanto, um fenômeno psicológico ou, como alguém disse na semana passada, "um estado de espírito", continua Bonilha. "Os 'fundamentais', ou fatos econômicos, são decorrentes do fenômeno psicológico, daí o perigo de achar que 'a crise asiática é irracional porque o lado real da economia não mudou'. A queda das Bolsas é justamente o termômetro indicando que o humor da massa modificará os fatos econômicos."
Donde, conclui Bonilha: "Não basta crer na irracionalidade para fazer bons prognósticos sobre o mercado. É preciso, antes de tudo, observar a massa humana com isenção, como se fôssemos de outro planeta, de modo a não nos contaminarmos com o estado de espírito".
Sábias palavras.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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