São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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"Shall We Dance?" faz Londres dançar

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nos últimos anos, o cinema japonês vem demonstrando ser mais do que um conjunto de tímidas tentativas de diretores independentes. "Shall We Dance?", de Masayuki Suo, de fato aponta para um fenômeno amplo.
Reeditando o sucesso no Japão, o filme estourou nos EUA depois de 20 anos de quase total ausência japonesa nos cinemas americanos.
Exibido no último domingo no Festival de Londres, "Shall We Dance?" foi ovacionado pelo auditório lotado do National Film Theater. A história em si é quase irrisória: um "salary man" resolve aprender danças de salão para quebrar a monotonia de sua vida.
Mas existe um encanto irresistível nos detalhes -na observação dos gestos do dançarino amador, nos diálogos breves e engraçados, nos movimentos da câmera.
Suo, presente à projeção, parecia radiante e, ao final, pediu licença para exercitar um hábito típico japonês: sacou a câmera e fotografou a platéia.
Leia a seguir entrevista exclusiva que o diretor concedeu à Folha.
*
Folha - "Shall We Dance?" fala da dança de salão européia. Qual seria o equivalente no Japão?
Masayuki Suo - A dança de salão foi introduzida no Japão na era Meiji, quando o país se abriu para o Ocidente. Por interesses políticos e diplomáticos, a dança se desenvolveu entre a aristocracia. Mas passou também a ser exercitada numa esfera popular, em clubes. Num dado momento, a dança aristocrática acabou, mas a popular continuou, e é para isso que existem esses cursos de dança de que trata meu filme. Essa prática mantém uma grande atração entre os japoneses, pois tem como centro o fato de um homem e uma mulher dançarem juntos.
Folha - No filme, a câmera faz uma espécie de balé, acompanhando a dança dos atores. O cameraman também teve que ter aulas de dança?
Suo - Para a câmera, traçamos um círculo de mais ou menos dois metros de diâmetro e pusemos o tripé sobre um carrinho de quatro rodas. As pessoas que estavam manobrando esse carrinho tiveram que aprender os passos da dança dos atores. Assim, pode-se dizer que toda a equipe de fotografia, se não aprendeu a dançar, teve que aprender um bocado sobre os passos de dança de salão.
Folha - Você rodou uma espécie de remake de "Pai e Filha", de Ozu, que é "A Mulher de meu Irmão". Qual é sua relação com o cinema japonês do passado?
Suo - Não é exatamente um remake, mas uma continuação de "Pai e Filha". De todo modo, é um trabalho muito pessoal e inteiramente ligado à minha admiração por Ozu. Quanto a "Shall We Dance?", não há uma relação específica com o antigo cinema japonês. Na verdade, fiz esse filme como uma reação ao tipo de cinema que vem sendo feito no Japão.
Há dois tipos de filmes japoneses hoje: os ditos "artísticos", que são sérios, pesados e aborrecidos; e os de entretenimento, que subestimam os espectadores. Quis fazer algo entre os dois tipos -um filme de entretenimento, mas que também possa ter um verdadeiro interesse para o espectador.
Folha - Muitos outros diretores da sua geração preferem os diretores do pré-guerra aos que vieram depois deles, como os da chamada "nouvelle vague" japonesa.
Suo - Claro que assisti aos filmes da "nouvelle vague" japonesa -gosto de alguns e não gosto de outros. Meu problema com esses diretores é que eles negaram completamente a geração anterior.
Acho que o comportamento dos diretores da "nouvelle vague" francesa foi diferente, pois eles preservaram o que era bom do passado. Estavam motivados antes de tudo pelo amor ao cinema, mesmo que tivessem preocupados com política. Já no Japão, os diretores da "nouvelle vague" se interessavam antes de tudo pela política. Vinham dos movimentos estudantis e, como não conseguiam outro emprego, foram para as produtoras de filmes.

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