São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Um caminho: empenham-se as jóias, com o aval do FMI; Hood Robin; Tranco no PT; CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS; O bárbaros estão nos terminais do BC; Cientistas e contínuos no papel de bobos; Aloisio Teixeira; Recordar é viver

ELIO GASPARI

Um caminho: empenham-se as jóias, com o aval do FMI
Circula no tucanato uma idéia capaz de tirar o Brasil da crise. É simples, mas exige muito trabalho e pouco gogó.
Trata-se primeiro de pedir a bênção e um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional, algo como US$ 10 bilhões. Depois, tanto se pode pedir ao governo americano alívio semelhante ao que o México recebeu em 1995, quanto é possível colocar no mercado papéis lastreados nas reservas de petróleo ou em ações das estatais brasileiras. Com a ajuda da Casa Branca, ou com os papéis, seriam levantados pelo menos outros US$ 10 bilhões. Os mexicanos usaram sua receita de petróleo para garantir um empréstimo americano. FFHH escolheria o lastro: reservas de petróleo, papéis ou ambos. (Como Campos Salles, que ele admira e que empenhou a renda da Alfândega aos banqueiros ingleses.)
O caminho existe. A Tailândia e a Indonésia já negociaram resgates de US$ 40 bilhões. A dificuldade surgirá na hora do trabalho. Para mover essa roda, o governo precisará primeiro de um banho de humildade. O ministro Pedro Malan, por exemplo, terá de engolir a resposta grosseira que deu, em agosto, a um relatório do Fundo que advertia o governo para os riscos do seu déficit nas transações internacionais: "O Brasil não precisa de alerta de ninguém. Não estamos vivendo dificuldades para financiar um déficit de 4% a 5% do PIB por mais dois ou três anos". Pelo que se vê agora, o que o governo mais precisava era de alertas. Malan não terá dificuldades para financiar o déficit por mais dois ou três anos pelo simples fato de que luta para financiá-lo por mais dois ou três meses.
Será preciso trabalhar duro na montagem da engenharia financeira da pretensão. O projeto acabará passando pelo vice-diretor executivo do FMI, Stanley Fischer. Será difícil negociar com ele sem ter o item da desvalorização cambial na pauta.
Fischer é um ex-professor do Massachusetts Institute of Technology, autor de um livro clássico de economia, escrito a quatro mãos com seu colega Rudiger Dornbusch. Dornbusch é aquele americano que passou por Pindorama em 1996, dizendo que FFHH deveria condecorar Gustavo Franco, mandá-lo para Angra dos Reis e, em seguida, desvalorizar o câmbio. Insultaram-no, insinuando até mesmo que a proposta se destinava a alavancar o preço de suas palestras. Como essa prática é comum no mercado dos sábios que quebraram o Brasil e depois abriram casas de tarô econômico, acreditou-se que um professor do MIT fosse capaz de fazer o mesmo jogo.
Há algum tempo Dornbusch editou um livro sobre a política econômica de países que estão abrindo seus mercados. Nele, citou uma receita de 13 cuidados essenciais, feita pelo economista Arnold Harderger (Universidade de Chicago). Ao final, acrescentou uma 14ª recomendação:
- Sigam o conselho de Stanley Fischer, não sobrevalorizem a moeda.

Hood Robin
O sociólogo Alberto Noé, da UFRJ, informa que se reapresentou no Brasil o pacote argentino Hood Robin, de 1994. Tomava do pobre e dava ao rico.
Um exercício mostra como Hood tira mais de quem ganha menos.
Um contribuinte com renda mensal de R$ 2.000 e dois dependentes, terá um aumento mínimo de 146%. Coisa de R$ 950 ao ano, equivalentes a 76 horas de trabalho.
Outro, com renda de R$ 3.000 e os mesmos dois dependentes, pagará 34,7% a mais. Será tungado em R$ 1.126, ou 60 horas de serviço.
Já quem tinha R$ 24.000 no banco, ganhava R$ 3.360 ao ano. Agora passou a ganhar R$ 6.720. Para pagar a diferença a cada pessoa que ganha nos juros, será preciso coletar a tunga do trabalho de três contribuintes.
FFHH, bem como o ministro Pedro Malan, acredita que as vítimas do Imposto de Renda são uma minoria (8%) da população. Ainda não entenderam que os três tungados sustentam seis dependentes.

Tranco no PT
A chapa apoiada pelo grupo Articulação (sublegenda do PT na qual estão Lula e Vicentinho) tomou um tranco na eleição do Sindicato dos Rodoviários de São Paulo, um dos maiores do país. Numa eleição à qual compareceram 21 mil trabalhadores, a chapa apoiada pela sublegenda do PC do B ficou com 60% dos votos.

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS
Madame Natasha tem horror à música. Por isso ela só ouve a rádio CBN. Ela cuida dos emergentes da desconexão e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao professor Antonio Barros de Castro pela pérola que cometeu durante uma entrevista ao repórter Alexandre Caroli:
- Os determinantes maiores da resultante do resultado final são os seguintes: (...).
Natasha acredita que o professor quis dizer:
- Do pacote resultará o seguinte: (...)

O bárbaros estão nos terminais do BC
O ministro Pedro Malan sabe, documentadamente, que o real vem sendo atacado por fundos estrangeiros que apostam na sua desvalorização. Nos primeiros dias da crise, achou que havia um ataque, depois acreditou que os bárbaros haviam sido afugentados. Diante da persistência das operações, verificou que o ataque está aí, visível nos terminais do Banco Central.
A esta altura Malan e FFHH sabem o que está acontecendo. Sabem também o nome de um banco do Rio de Janeiro que vem sendo instrumentado pelos fundos. Sabem também que na tal economia livre e globalizada de que tanto gostam, esse banco tem todo o direito de fazer o que faz. (Há alguns meses um fundo internacional andou por aí querendo apostar perto de US$ 1 bilhão contra o real.)
Há inúmeras maneiras de explicar o mecanismo do ataque ao real. São todas complicadas e cheias de expressões comuns ao anarcoglotismo da banca, tais como "swap" (troca) ou "hedge" (seguro). Tratando-se de um modalidade de aposta, fica mais fácil entendê-la pelos mecanismos do jogo do bicho. Assim:
Bill Boiler aposta que dentro de seis meses quem tiver aplicado US$ 1 milhão no mercado americano, a 6% ao ano, terá ganho mais do que quem tiver aplicado em reais a uma taxa média de 30%. Como não é burro, faz isso supondo que uma desvalorização de 30% do real comerá o valor (em dólares) de quem estiver amarrado a ele.
Paulo Global aceita a aposta. Cobra uma comissão, equivalente a algo como 5% do lucro da operação e assume o risco. Depois, como se faz na banca de bicho do bairro, inverte o jogo e descarrega-o no mercado brasileiro. Aposta que quem estiver com reais ganhará mais do que quem estiver com dólares. Nesse caso, haja o que houver, ganha num lado, perde no outro e embolsa a intermediação.
Pelas características da legislação brasileira, o número de bancos capazes de entrar nesses tipos de operações não passa de uma dúzia. Pelas características das operações, custa pouco trabalho ao Banco Central descobrir quem abriu a mesinha nessa esquina.

Cientistas e contínuos no papel de bobos
Os ministros Clóvis Carvalho (Gabinete Civil) e José Israel Vargas (Ciência e Tecnologia) produziram uma trapalhada que deve levar FFHH a refletir sobre a competência de seu governo.
Desde 1995, os 2.500 cientistas e pesquisadores da rede federal reivindicavam uma equiparação com os professores das universidades federais. Ofereciam seus títulos acadêmicos e dedicação exclusiva.
O companheiro Vargas viu nessa reivindicação uma oportunidade para fazer demagogia à custa do dinheiro da Viúva e jogou o plano dos cientistas num sopão no qual entravam todos os funcionários da carreira de ciência e tecnologia espalhados pelo seu e por outros ministérios.
É certo que os servidores ganham mal, assim como é certo que há crianças com fome nos bairros pobres, mas nem por isso lhe passou pela cabeça incluir a fome das crianças no plano de carreira dos cientistas.
O ministro da Administração, Luiz Carlos Bresser Pereira, se opôs à demagogia. Queria que o abono resultante do plano atendesse apenas aos cientistas. Nessa altura, apareceu o ministro Clóvis Carvalho. Iluminado por um assessor interessado (Wilson Calvo), baixou-lhe o espírito do rei Salomão. Recebeu-o mal, cortou a criança ao meio e mandou entregar um pedaço a cada uma das partes que a disputavam. O abono não iria para todos os funcionários (meia criança para Bresser) e também não iria só para os cientistas, mas para os 10 mil funcionários que ocupam cargos de nível superior (meia criança para Israel). A Viúva, que desembolsaria algo em torno de R$ 15 milhões por ano, pagará mais que o triplo.
Tudo isso seria pouco se o companheiro Israel e o doutor Clóvis não tivessem posto em marcha um novo assalto ao Tesouro. A demagogia levou a Comissão Nacional de Energia Nuclear o o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico, o CNPq, a informar, em seus boletins internos, que "dedicação exclusiva" significa "a obrigação de prestar 40 horas semanais de trabalho". Falso. Dedicação exclusiva significa ter só esse emprego. Trabalhar ou não trabalhar as 40 horas contratuais tem a ver com vagabundagem, não com a exclusividade da dedicação.
Noutro lance, o Sindicato dos Funcionários Públicos está organizando pequenas greves e manifestações de servidores, exigindo que o benefício seja estendido a todos. Por incrível que pareça, faz nexo. Se o chefe do departamento de recursos humanos de uma instituição científica tomou carona numa reestruturação da carreira de cientista, por que o contínuo que lhe serve café deve ficar de fora? Um ocupa cargo de nível superior e o outro não, mas ambos são filhos de Deus. Como nenhum dos dois é cientista, se um tem direito, o outro também.
Deve-se ao companheiro Vargas e ao doutor Clóvis essa maravilha de desorganização da máquina científica brasileira, tudo feito depois do início daquilo que o tucanato chama de crise financeira mundial.

Aloisio Teixeira
(53 anos, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
*
- O pacote do governo poderá cortar 10 mil bolsas de pesquisadores brasileiros. O que significa isso?
- Um desastre. Vão cortar sem critério. Se você corta uma pesquisa que faz parte de um projeto, é como cortar 10% de uma pessoa. Ela acaba. Só na UFRJ, já cortaram as bolsas de mil estagiários. As pesquisas sociais estão sendo aniquiladas. Um governo como esse nunca financiaria um professor paulista que quisesse estudar o negro no Sul do Brasil. Diriam que devia fazer sua tese de mestrado sobre as vacas do Mercosul.
- Esse professor é FFHH. Ele foi o primeiro marquês da academia a entrar no Planalto. O que tem sido o governo dele para as universidades?
- Funcionalmente, pior que os da ditadura. A ditadura tinha um projeto nacional para o Brasil. Era errado? Era. Agora você não tem projeto algum. O Brasil que o presidente tem na cabeça não precisa de universidade. Os filhos dos ricos vão estudar fora e, quando você precisar de uma pesquisa sobre bananas, manda fazer na Flórida. Na UFRJ, falta dinheiro para a limpeza, para as copiadoras e até para pagar o INSS. Brasília corta as verbas orçamentárias, contingencia o que sobra e não libera o dinheiro que deve. Para um orçamento de R$ 550 milhões, temos só cinco para investir. A UFRJ gasta R$ 200 milhões com os inativos. O contribuinte acha que se gasta muito, quando se está pagando a professores aposentados. Por que o Planalto não põe na sua folha a pensão dos ex-presidentes?
- FFHH diz que dinheiro há, mas é mal gasto.
- Não há dinheiro. O que há é um definhamento do ensino público e um governo que parece ter prazer nisso. As universidades federais ainda são as melhores do país. Elas permitem aos pobres o sonho de ver seus filhos num curso superior. Proposições desse tipo baixam o nível do debate, parece discussão do Proer.

Recordar é viver
Da fala da ekipekonômica em julho, no meio da crise tailandesa:
Gustavo Franco: "Os países que estão desvalorizando a moeda são concorrentes do Brasil (...). O mercado nacional pode ganhar agora mais investimentos".
Antonio Kandir: "As indicações que temos até o momento são de que isso não vai prejudicar a economia brasileira. Poderá até beneficiar o Brasil".

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