São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Tropeço autoritário

OSIRIS LOPES FILHO

O saco de maldades aberto contra o povo brasileiro, pelo governo federal, constitui caso exemplar de improvisação atrabiliária e desastrada.
O Brasil conquistou, merecidamente, um título de indignidade. Campeão da evasão. Assim, o dever do governo é trabalhar, sem descanso, para obter arrecadação no combate à evasão. Isso não foi feito a tempo e a hora.
Necessitado de recursos, pelo insucesso de sua política cambial, o governo federal resolveu escorchar as vítimas de sempre: a classe média e os trabalhadores do país.
Propõe elevar em 10% as alíquotas do Imposto de Renda da pessoa física, e restringir as suas deduções ao limite global de 20%. É cálculo mesquinho.
O problema dessas providências é que, como sempre, este governo que está aí não dá bola para a disciplinação constitucional. A renda que se tributa é um conceito líquido. Vale dizer, as despesas necessárias para obtê-la não podem ser submetidas à incidência do imposto.
Tais gastos devem ser incorridos para que se produza a renda. Tributar tais gastos, ao se estabelecer um limite ridículo de 20% para as deduções, é caminhar-se para a conversão do Imposto de Renda em imposto sobre rendimentos brutos. Isso a Constituição não possibilita.
Além disso, a Constituição prevê o princípio da personalização do imposto. Por decorrência, o IR deve adequar-se às características de cada contribuinte. Isso se faz pelo estabelecimento de uma pluralidade de deduções: dependentes, despesas escolares, pensões alimentícias, saúde etc.
Criar-se um limite de 20% para as deduções agride frontalmente o comando emanado do princípio da personalização do IR, pois significa desumanizá-lo, na medida em que recursos aplicados em gastos humanitários (despesas médicas), de solidariedade (pensões alimentícias), de sobrevivência familiar (dependentes) e fundamentais ao desenvolvimento do ser humano (educação) passem a ter limite medíocre e avaro de 20%.
Vulneram-se ainda outros princípios constitucionais: o da capacidade contributiva e da razoabilidade. Da capacidade contributiva, posto que se exige um tributo que compromete o bem-estar do cidadão-contribuinte. E da razoabilidade, eis que a pata do "leão" está a bater sem nenhuma moderação.
É hora de prudência. Para evitar uma derrota, pela rejeição do povo, é aconselhável retirar a medida escorchante.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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