São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Cinco teses fora de lugar

MARCIO POCHMANN

É lamentável que a mesma capacidade de gerar argumentos positivos a respeito da situação do emprego no Brasil não resulte na contenção do processo de desestruturação do mercado de trabalho nos anos 90 (desemprego, desassalariamento e precarização das relações e condições de trabalho). Exemplo disso são as cinco teses do discurso oficial reproduzidas no debate do desemprego, mas que não encontram aderência na realidade do emprego nacional.
A primeira tese, amplamente difundida, apóia-se nos argumentos que indicam que o Brasil não possui um problema de escassez de emprego, mas de baixa qualidade dos postos de trabalho. Em vez de políticas de promoção do emprego, haveria a necessidade de melhorar a qualidade das vagas existentes.
Essa tese do discurso oficial, possivelmente, só não poderia ser questionada por aqueles que desconhecem o Brasil e talvez não costumem circular pelas grandes cidades nas quais são visíveis a carência de empregos e o aprofundamento dos problemas sociais (pobreza, violência e desordem urbana).
Diante dos indicadores atuais de desemprego, em patamares superiores aos do final dos anos 80, tem sido usada uma segunda tese, que parte do princípio de que a taxa de desemprego oficial (medida pelo IBGE) encontra-se em uma faixa muito inferior à dos países europeus, assemelhando-se à experiência dos Estados Unidos (baixa inflação e alto nível de emprego).
Mas a continuidade da performance negativa do emprego formal nos dois últimos anos, segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho, levou à difusão de uma terceira tese, que coloca a baixa geração de emprego assalariado com registro como decorrência do processo de modernização da economia nacional, principalmente no setor industrial, que estaria tendo, inclusive, problemas para se adequar aos novos padrões de competitividade.
A perda do emprego no setor industrial, porém, seria plenamente compensada, segundo o discurso oficial, pela geração de ocupações no setor terciário (comércio e serviços).
Ocorre, todavia, que, para uma expansão acumulada do Produto Interno Bruto de 18,4% nos últimos quatro anos, o volume de emprego em 1997 é praticamente o mesmo do final de 1992, último ano da recessão promovida pelo governo Collor, com baixo desempenho para quase todos os setores de atividade econômica.
O recente salto não sazonal na taxa de desemprego na Grande São Paulo exigiu, de imediato, que se recorresse a uma quarta tese do discurso oficial, capaz de difundir a idéia de que o problema do desemprego no Brasil estaria localizado no Sudeste.
Esse argumento, todavia, não resiste à realidade dos fatos, pois há localidades geográficas com taxa de desemprego superior à de São Paulo, como o Distrito Federal (18%) e Salvador (22%), e outras com indicadores mais elevados que os de Belo Horizonte (13,8%), Curitiba (14,7%) e Porto Alegre (14,2%).
Uma quinta tese tem sido recorrentemente utilizada para reforçar o discurso oficial de que não haveria desemprego provocado pela política macroeconômica, mas uma inadequação entre as forças do mercado de trabalho que impediria o preenchimento das vagas existentes devido à rigidez da legislação trabalhista ou à ausência de mão-de-obra qualificada.
A solução para isso estaria simplesmente na adoção de medidas voltadas para a redução do custo do trabalho e a flexibilização dos contratos, por um lado, e na ampliação dos cursos de qualificação profissional, por outro.
Sendo eliminadas as ditas regras rígidas no mercado de trabalho brasileiro, caberia à livre negociação coletiva estabelecer novos padrões de uso e remuneração da força de trabalho. Nesse caso, caberia indagar: quem seria responsável pela promoção da livre negociação quando não há pleno emprego e prevalece um movimento de desestruturação do mercado de trabalho?
Além disso, nada mais fora de lugar do que afirmar que uma suposta rigidez do mercado de trabalho (proteção ao empregado) impeça o livre arbítrio do empregador ao contratar, usar (ajustar rendimentos e tempo de trabalho) e demitir o trabalhador. Ao mesmo tempo, deve-se destacar que a educação profissional, ainda que cada vez mais se torne necessária, não cria nem garante emprego.
Com esse conjunto de cinco teses que conformam o discurso oficial diante do desemprego no Brasil, parece ficar cada vez mais distante a possibilidade de interromper o movimento de desestruturação do mercado de trabalho.
A negação da falsa disjuntiva (desemprego ou precarização do emprego) que se apresenta para o trabalhador constitui um primeiro passo para promover um novo conjunto de forças sociais comprometido com a defesa nacional da produção do emprego.

E-mail: pochmann@eco.unicamp.br

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