São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MIS encerra mostra do cineasta Jairo Ferreira

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A mostra "Jairo Ferreira - Super-8", que se encerra hoje, com duas sessões de "O Insigne Ficante" (às 15h e às 21h) e uma sessão de curtas do cineasta (às 19h), não é, claro, para todos os públicos.
Mas quem vê o cinema como modo de expressão original vai ter o que quer. Jairo Ferreira é um dos cineastas que melhor entendeu a bitola super-8: não como instrumento econômico ou mesmo amadorístico, mas sim como máquina libertadora.
Ferreira utilizou-o como outros usam caneta para escrever diários. São assim "O Vampiro da Cinemateca" (de ontem) e "O Insigne Ficante": rabiscos fílmicos que dão conta da experiência cotidiana de um amador de cinema.
Registra suas experiências, dialoga com amigos e conhecidos, mostra as paisagens que o seduziram, reencontra os filmes que o marcaram. Trata-se de um trabalho personalíssimo e adequadíssimo à personalidade de um cineasta solitário, que, nas raras oportunidades que teve de trabalhar em equipe (como no curta "Os Gurus e os Guris", que passa na sessão das 19h, hoje), não foi tão feliz.
É como se o maquinário do cinema em 35 mm o oprimisse, como se dirigir atores e técnicos fosse uma experiência constrangedora.
Nesse sentido é que o super-8 revela-se o espaço ideal para o florescimento de um talento muito particular, em que a experiência do cinéfilo obsessivo é transformada, cotejada com o cotidiano e em seguida reconvertida em filme.
Esse é, sobretudo, o sentido da construção de "O Vampiro da Cinemateca": uma tentativa de chegar ao filme-vida, à perfeita indiferenciação entre arte e existência.
Experiência necessariamente frustrada, já que implica a vampirização: a passagem de uma dimensão a outra (do filme à vida e vice-versa) significando, ela própria, dilaceração e agonia.
Não por acaso tanto "O Vampiro" como "O Insigne Ficante" trazem alusões a seres interplanetários. Neste último, o roteiro acrescenta uma complexidade à proposta, fazendo do protagonista um montador de cinema convocado por alienígenas a misturar cenas de filmes clássicos a cenas filmadas em vários locais do mundo.
Existe mesmo algo de alienígena neste cinema concebido e praticado nos anos 70 e muito marcado tanto pela experiência de Godard como pela antropofagia de Oswald e pela poesia concreta.

Texto Anterior: 'Rota' coloca Colker no caminho certo
Próximo Texto: Saramago lança "Todos os Nomes" terça-feira
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.