São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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DO REAL AO REALISMO

DO REAL AO REALISMO

O Brasil perdeu nas últimas semanas cerca de US$ 8 bilhões em reservas internacionais. Este é o saldo mais evidente da crise de confiança que ainda não terminou.
Mesmo que as expectativas mais pessimistas não tenham sido confirmadas, a essa altura da crise financeira global é evidente que não há mais espaço para os otimistas. Não há saída rápida nem indolor. Seja por razões externas, seja pelas consequências funestas que vão se impor em cada economia afetada, a travessia nos próximos meses será penosa.
O pacote fiscal foi necessário e o monitoramento dos seus resultados será um dos indicadores-chave da capacidade de recuperação da economia brasileira a partir de agora. Entretanto, não pode haver ilusões nessa área. Como ficou fartamente demonstrado nos anos 80, não é possível ajustar ao mesmo tempo as contas públicas e as contas externas numa situação de crise.
Nesse contexto, a prioridade é "fechar" o balanço de pagamentos, ou seja, interromper a sangria de reservas e criar um horizonte de recuperação da confiança dos credores externos. A recessão é o caminho, decerto doloroso, para atingir tal objetivo.
Mas toda recessão significa redução da produção, do emprego, do investimento e do consumo. Ou seja, estreita-se a base de arrecadação de impostos, mais rapidamente do que o corte de gastos pelo governo.
Assim, os pacotes fiscais apenas tentam compensar a perda de base criando novas obrigações que estimulam também a sonegação. Em suma, a recessão tem efeitos perversos sobre o déficit público.
Há um paradoxo evidente nesse tipo de ajuste. A prioridade que se confere à solvência externa sacrifica a saúde das contas públicas, ou seja, da solvência doméstica.
O Plano Collor, em 1990, nada mais foi que uma tentativa desesperada do Estado de administrar essa insolvência cultivada na década perdida.
O fio da navalha está na duração desse processo em que a reconquista da credibilidade externa ocorre às expensas da credibilidade interna do Estado. Sobre esse fio equilibra-se a própria soberania do país.
Essa equação é a tal ponto difícil de resolver que, muitas vezes, os governos acabam se socorrendo de credores globais de última instância. Voltando aos anos 80, era esse o papel do Fundo Monetário Internacional.
Interessava menos o cumprimento das metas fiscais estabelecidas em sucessivas cartas de intenção e mais o fato de o governo submeter suas contas e seu modelo econômico a um monitoramento externo.
O Estado perdia autonomia, mas tentava injetar mais credibilidade num ajuste macroeconômico nem sempre consistente. O pagamento aos credores, ou seja, o fechamento do balanço de pagamentos, tornava-se uma prioridade indiscutível.
Com o Plano Real, o Brasil conseguiu a proeza de estabilizar a moeda sem recorrer ao FMI. Mas não foi capaz de evitar as contradições que, em outros países, impuseram nas últimas semanas acordos com o Fundo.
Entretanto, é o próprio sucesso dos últimos três anos que se transforma em armadilha. Afinal, mesmo criando margem de manobra, a acumulação de reservas consagrou a valorização do câmbio e acabou por colocar o país na berlinda.
Mais que realismo, o momento que o país atravessa solicita o mais frio pragmatismo. A perda de reservas agora desempenha o papel de um termômetro crucial. Resta saber se a hipótese, considerada por muitos como irrealista, de sair da crise sem o FMI, será realizável.

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