São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 1997
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Raimundos e Planet Hemp têm causas boas e som ruim

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os últimos dias foram turbulentos para o rock nacional. Primeiro, a morte violenta de oito jovens que saíam de um show dos Raimundos em Santos. Depois, prisão do Planet Hemp em Brasília, acusado de incentivar o uso de drogas.
Os dois eventos retratam o Brasil em sua essência mais mesquinha. No caso do Raimundos, a ganância superlotou um clube que, ao que tudo indica, nem tinha autorização para shows. Na saída, só havia uma porta aberta, e os trogloditas da segurança, sempre "cumprindo ordens", negavam-se a liberar as outras.
Lembro que, quando morava em Boston, EUA, fiquei de fora em vários shows porque os clubes se diziam "sold out" (lotados). Só que "sold out", lá, significa cerca de 80% da capacidade física. Os espaços vazios garantem a segurança.
Perdi uma vez um show dos Butthole Surfers por causa disso. Passando frio na calçada, ouvia o porteiro me mandar embora (segundo ele, uma lei na cidade proibia ficar de bobeira na rua) ao mesmo tempo em que eu imaginava todos aqueles claros na platéia do clube que se dizia "esgotado".
Em Santos, provavelmente, uma casa só se declara "cheia" quando a lotação chega a 285%.
*
O pedido de prisão do Planet Hemp é de uma indigência mental assustadora. Jecas engravatados acham que as letras do grupo fazem a apologia das drogas. Como se jamais, neste país, jovens tivessem fumado maconha até o surgimento da banda.
Resultado do fuzuê jurídico: multidões esperavam o grupo na saída da cadeia, pedindo autógrafos em atitude de veneração. E pior, o Hemp foi visto e ouvido como nunca. Vai vender zilhões de discos, o que, aliás, é a única razão por que a banda defende com tanto empenho a causa da Cannabis.
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Ainda que sob o impacto da tragédia e da cegueira jurídica, é preciso lembrar um ponto que completa o quadro de mediocridade: as duas bandas em questão são muito ruins.
Perder a vida num show dos Raimundos é como morrer atropelado por um velotrol, ou intoxicado por uma azeitona. Morte vã, evento-limite desencadeado por uma causa banal.
E o Planet Hemp pode ser mártir de uma causa nobre, a liberdade de expressão, mas musicalmente está abaixo de qualquer crítica, êmulo mal-ajambrado de Chili Peppers e Rage Against the Machine.
Um olhar mais frio mostra que tudo faz sentido neste triste amálgama: empresários gananciosos, autoridades obtusas, bandas medíocres.
Isto é Brasil.
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E falando em Brasil: dois livros de memórias foram lançados recentemente, o de Ernesto Geisel e o de Caetano Veloso. Qual estará vendendo mais? Tenho um palpite.

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