São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
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Soluções modernizantes

JANIO DE FREITAS

Há uma certa linha de solução de problemas que está em expansão, com numerosas aplicações só nas últimas 72 horas, e que retrata com rigorosa fidelidade a qualidade da classe que está conduzindo o Brasil.
O argumento de Iris Rezende para sua adesão à reabertura de cassinos é exemplar: "Se é uma realidade, e a autoridade não consegue evitar sua prática, por que não legalizar o jogo?". Note bem: trata-se de um ex-governador e senador escolhido pelo presidente da República para ministro da Justiça. Não é, porém, a sua declaração de incompetência que sobressai aqui. É mesmo o nível da mentalidade exposta, mais do que chocante -abominável-, mesmo sabendo-se há muito tempo qual o nível de Iris Rezende.
Deixado de fora o pudor, a esse ministro da Justiça não acode uma luzinha nem para perceber que está propondo a legalização, também, dos sequestros, do tráfico de tóxicos e de tudo o mais que autoridades como ele próprio "não conseguem resolver".
O comando do PSDB paulista faz a primeira expulsão de um prefeito peessedebista que exibiu sua simpatia por Paulo Maluf e, pelo mesmo motivo, ameaça com várias outras exclusões. Não consta que alguém da seção paulista do PSDB opusesse alguma palavra à decisão. Não é mais, no entanto, do que uma covardia do tipo mais abjeto e imoral.
Nenhum desses peessedebistas de São Paulo foi capaz de tomar uma atitude quando Fernando Henrique Cardoso recepcionou Maluf no Alvorada, com a intenção frustrada de um encontro sigiloso, e os dois firmaram o acordo que, entre outras coisas, livrou o convidado de enfrentar a CPI que o aguardava para inquiri-lo sobre as aventuras de sua administração com precatórios.
Nenhum dos peessedebistas de São Paulo foi capaz de alguma atitude quando, há pouco, Fernando Henrique recepcionou outra vez Maluf no Alvorada, com o resultado de uma associação eleitoral em que o PSDB-SP foi mercadoria vendida, e por preço vil.
A ira dos peessedebistas vem da lua-de-mel Fernando Henrique-Maluf, não de um prefeito interiorano ou de alguns vereadores. Mas a Fernando Henrique os peessedebistas de São Paulo limitaram-se a uma carta sem consequências. E descarregam a ira sobre um prefeito impossibilitado de dar retorno à altura. Isso não se passa em um partido qualquer, mas no partido do governo federal e na sua seção mais importante.
Não surpreende que a atual mulher de Moreira Franco, a socióloga Clara Maria Vasconcelos, ganhe como funcionária do Senado e trabalhe no Rio, em casa, dispensada de ponto no absurdo "Senadinho" ainda existente no centro carioca e com o expediente de três horas (supondo-se, sem que seja possível a comprovação doméstica, de que trabalhe, como diz, das 6h às 9h). Enfim, nas palavras típicas do próprio Moreira Franco, usadas para negar irregularidade, "uma situação de mutreta, de mumunha".
Ao assumir a presidência do Senado, Antonio Carlos Magalhães prometeu imediata exoneração dos funcionários em situação por qualquer modo irregular. Pouco depois, o que se noticiou eram providências para admissão de mais 180 funcionários. Trata-se de continuidade adequada, portanto, sua ordem para que a mulher do relator da "reforma" administrativa, apesar do noticiário a respeito, fosse mantida no pleno gozo da sua "mutreta ou mumunha". O que aí se expõe é a moralidade administrativa na condução, não de um tabuleiro de acarajé numa beira de praia, mas do Congresso Nacional.
Assim é o padrão das soluções atuais. Faça a experiência de observá-las, qualquer que seja a área de origem, e ficará mais fácil entender a atualidade e pressentir o futuro.

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