São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
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Brasil, líder mundial da agiotagem

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Pela segunda vez em poucos anos, o Banco Central decidiu praticar juros astronômicos em nome da salvação do Plano Real. A primeira, como se sabe, foi na época do colapso do México, no início de 1995. Agora, a crise no leste da Ásia inaugurou uma nova temporada de taxas de juro excepcionalmente altas no Brasil.
A julgar pelos dados disponíveis, o Brasil voltou a ocupar -e por larga margem- a posição de líder mundial em matéria de juros reais. A revista britânica "The Economist" publica as taxas nominais de juro de curto prazo de 40 países, incluindo os do Grupo dos 7 (G-7), diversos outros países desenvolvidos e as principais economias em desenvolvimento.
Considerando a evolução recente dos preços ao consumidor, a taxa de juro real no Brasil alcança nada menos que 37,5% ao ano. Nos países do G-7 (EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Itália e Reino Unido) a taxa real média é 2,9%, variando entre o mínimo de 0,5% no Japão e o máximo de 5,4% na Itália.
Os juros reais brasileiros são, portanto, 13 vezes maiores do que os juros médios nos principais países desenvolvidos.
Nas economias em desenvolvimento, os juros reais de curto prazo são, em geral, mais altos. Mas mesmo aqui a liderança do Brasil é folgada. Apenas dois outros países -a Grécia e a Indonésia- praticam juros reais de curto prazo superiores a 20%. Até os países do leste da Ásia, que estão no epicentro da crise financeira internacional, praticam taxas reais bastante inferiores às do Brasil.
Não esqueçam que os 37,5% acima mencionados dizem respeito à taxa de juro básica fixada pelo Banco Central em 31 de outubro último. Em geral, as taxas que vigoram para as empresas brasileiras, sobretudo as menores, e para as pessoas físicas são muito superiores.
Se permanecerem por muito tempo, juros como esses solapam qualquer economia. Desestabilizam as finanças públicas, as empresas e o sistema financeiro. Deprimem o nível de atividade econômica e provocam aumento do desemprego e do subemprego.
Dependendo das circunstâncias internas e externas, mesmo os efeitos sobre as contas externas podem ser perversos. Se os investidores e especuladores passarem a interpretar as taxas de juro brasileiras como sinal de fraqueza, ou se assustarem com os seus impactos internos, pode haver retração adicional da oferta de capitais externos.
Não há nenhum mistério nisso. Antes de quebrar, o que faz um banco? Não costuma oferecer taxas de juro excepcionais sobre os seus CDBs?
Já ninguém de bom senso tem dúvidas sobre o seguinte: há algo de profundamente errado com um programa econômico que precisa, volta e meia, recorrer a juros de agiota para sobreviver. Não estaríamos nessa situação, se o governo brasileiro não tivesse subordinado o país aos humores instáveis dos mercados financeiros internacionais.
Depois de se consagrar como "teórico" da dependência nos seus tempos de sociólogo, FHC resolveu experimentar, à nossa custa, a prática da dependência. E foi com muita sede ao pote. Adotou políticas econômicas, nos campos cambial, de comércio exterior e fiscal, que minaram substancialmente a soberania do país.
Mas nem tudo está perdido. Um alto funcionário do Banco Central, co-responsável por algumas das políticas dos anos recentes, desfralda a bandeira nacional e adverte que um acordo com o FMI implica "perda de soberania".
A tragicomédia continua.

E-mail pnbjr@ibm.net

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