São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
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A especulação bilionária e nós

ALOYSIO BIONDI

Um pequeno banco, desses fundados por ex-economistas que participaram de governos, lucrou 125%, sobre o capital, no primeiro semestre do ano. Para um capital de R$ 50 milhões, um ganho de R$ 75 milhões, dos quais R$ 25 milhões dentro do país e R$ 50 milhões em operações lá fora, basicamente com títulos da dívida externa brasileira.
Não é um caso isolado. O mercado financeiro brasileiro tem sido palco de uma imensa farra bilionária para algumas instituições e grandes "investidores" nos últimos meses. Nada contra o lucro. Mas é inaceitável que a especulação vá longe demais porque as regras para essas operações sejam "frouxas", isto é, por omissão do governo por meio, principalmente, do Ministério da Fazenda e do Banco Central.
Inaceitável, ainda, porque até uma criança sabe como esses períodos de farra bilionária terminam: em um determinado momento, o mercado desaba, há "corridas" para o dólar, toda a economia se desorganiza. E, lógico, o governo entra em cena a pretexto de evitar um desastre maior e, com o dinheiro do contribuinte, socorre os felizes especuladores. Tudo, como está acontecendo neste momento no Brasil. Detalhe: nunca houve no país, e provavelmente em nenhuma outra parte do mundo, uma "ajuda" tão gigantesca, tão escandalosa, aos ganhadores do mercado financeiro, como ocorreu no Brasil nos últimos meses.
Na surdina
Os primeiros tremores na Bolsa e no mercado de dólares ocorreram em julho e agosto. Já a partir daquele momento, conforme informações perdidas em meio ao noticiário, a equipe dita neoliberal passou a injetar dinheiro no mercado por todos os meios.
Como é mais do que sabido hoje, as Bolsas só não despencaram já naquela época porque a equipe FHC deu ordens ora ao BNDES, ora ao Banco do Brasil, ora ao próprio BC, ora aos fundos de pensão (colocando em risco o dinheiro dos associados) para "entrarem" no mercado, comprando ações -ou comprando/vendendo dólares. O tamanho dessa intervenção somente chegaria ao conhecimento da opinião pública se, um dia, o Congresso Nacional finalmente aprovasse uma CPI sobre o mercado financeiro.
Por ora, pode-se avaliar suas dimensões com base nos dados recém-divulgados, segundo os quais, na crise dos últimos dias, as operações realizadas pelo Banco do Brasil somente no mercado de dólares (para segurar os preços no mercado futuro) ultrapassaram a casa dos R$ 5 bilhões. Nada de novo. Há meses a equipe FHC vem assegurando os lucros dos especuladores com "intervenções" estratégicas sempre que o mercado balança.
As contas
Bancos criados apenas para especular no mercado financeiro. Grandes "investidores". Grupos empresariais importantes. Todos, tiveram lucros de até 1.000% em poucos meses na compra e revenda de ações. Mas, além disso, tiveram aqueles lucros de 100% ou mais, em curto espaço de tempo, em operações com títulos da dívida externa e compra e venda de dólares no mercado futuro. Um prêmio à sua competência? Não. Lucros resultantes de operações arriscadas para as quais o Ministério da Fazenda/Banco Central fecharam os olhos -ou apoiaram mesmo.
Está no noticiário que esses bancos/aplicadores estavam perigosamente comprometidos, isto é, tinham comprado títulos da dívida externa ou fechado contratos para venda e compra de dólares em operações que representavam até 12 vezes o seu capital (ou patrimônio).
É bom fazer umas continhas para avaliar seus lucros: se um banco ou instituição tem 100 de capital e aplica o equivalente a 12 vezes, chega a fazer negócios de 1.200. Isso significa que, na hipótese de os títulos comprados ou o mercado de dólar (futuro) acusarem alta de 10%, o aplicador vai lucrar 120 (ou 10% de 1.200), para um capital de 100. Isto é, 120% de lucro em poucas semanas -ou mesmo dias. Ah, sim, como é possível ter um capital de 100 e aplicar 1.200% É que em algumas operações dos chamados mercados futuros pode-se fazer os negócios apenas com o depósito (chamado "margem") de 10% do valor. Ou, pior ainda: pode-se obter uma carta de fiança de outro banco -e fazer os negócios sem desembolsar seu próprio dinheiro...
Enquanto o jogo dá certo, há lucros de 100% em pouco tempo. Mas, evidentemente, quando o mercado sofre um problema qualquer, os especuladores podem enfrentar também perdas iguais, de 100%. Num regime capitalista, aplicadores/especuladores, e bancos que os financiaram, ficariam com as perdas -ou até "quebrariam".
No Brasil, da ditadura financeira da equipe FHC/BNDES, os contribuintes socorrem os felizardos, apesar de eles terem embolsado lucros bilionários nos meses de bonança. Não é à toa que o Brasil está assistindo ao nascimento de uma nova geração de mocinhos bilionários ligados ao mercado financeiro.

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