São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
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Eles se merecem

OTAVIO FRIAS FILHO

É difícil passar uma semana sem que um atentado no Oriente Médio faça vítimas desarmadas, quando não completamente alheias aos conflitos locais, como neste caso da chacina de turistas em Luxor, no Egito. Cansados de nos chocar e indignar, somos tentados a dar de ombros: "Eles que se matem entre si, eles se merecem".
Como é regra entre os países islâmicos, e árabes em particular, o regime egípcio é uma ditadura de ferocidade a que nem mesmo nós, latino-americanos, estamos habituados. O governo do general Mubarak, no entanto, herdeiro de Anuar Sadat, sendo laico e pró-ocidental, é o alvo indireto da campanha terrorista de extremistas islâmicos.
Essa tem sido invariavelmente a dinâmica da radicalização. Uma liderança radical, curtida nas responsabilidades do mando, abalada pela falta de perspectivas do impasse, evolui para posições mais flexíveis e estabelece uma negociação. Passa a ser combatida internamente por nova liderança, emergente e radical como ela própria fora antes.
Jerusalém, o epicentro geopolítico do Oriente Médio, é uma cidade sagrada para três das cinco grandes religiões do mundo. É essa persistência estúpida na literalidade dos livros e preceitos sagrados -literalidade que a Europa abandonou no século 17- a responsável, em última análise, pelo banho de sangue de cada semana.
Basta que religião e política se misturem -na Irlanda do Norte, na Bósnia-, e o resultado é uma matança imbecil movida pela vingança mais cega: o importante é retaliar, embora ninguém mais saiba quem começou e por quê. Um dos sentimentos mais assustadores nesses filmes sobre a Bósnia é uma espécie de intimidade no ódio.
Ali, muçulmanos e sérvios são o mesmo povo, falam a mesma língua, há parentes de lado a lado, e eles simplesmente adoram matar uns aos outros. Nos países árabes e em Israel, sempre há um contingente disposto a evitar que lideranças sensatas lhes retirem esse suave prazer. Daí o círculo de ferro: impasse, negociação, terror, impasse.
Bem fazem os Estados que confinam a religião nas casas e nos templos, onde sua capacidade para causar dano fica restrita à vida pessoal dos envolvidos... No meio de todo o horror, entretanto, acaba de sair um belo livro ("A Terra das Duas Promessas", Editora Imago, 197 págs.), que todo interessado na questão leria com proveito.
Uma editora francesa convidou dois escritores pacifistas -Emil Habibi, palestino, morto no ano passado, e Yoram Kaniuk, judeu- para escrever, cada um, a metade de um livro. Cada ensaio deveria versar, porém, sobre o "outro povo", o inimigo. Kaniuk e Habibi, este com ressalvas, são a favor da fórmula "um país, dois Estados, uma capital".
Somente um gesto de perdão total, quase repulsivo -uma "traição", proveniente do medo e do asco, à memória das vítimas- poderia levar à pacificação generosa daquela fórmula. Emil Habibi e Yoram Kaniuk, perseguidos respectivamente pelos extremistas de seu próprio campo, mostram como esse gesto temerário é possível.

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