São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Maluf tenta capitalizar a vitória governista

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Eram cerca de 21h de anteontem e Paulo Maluf apertava freneticamente as teclas de seu telefone celular azul Motorola, modelo Star Tac. O ex-prefeito de São Paulo, presidente nacional e líder máximo do PPB estava no salão verde da Câmara dos Deputados tentando falar com o ministro do Planejamento, Antonio Kandir.
Kandir não atendeu. Mandou a secretária dizer que estava "tudo resolvido". Que o "fax para o deputado seria enviado".
O assunto em pauta era uma reivindicação do deputado Fetter Junior (PPB-RS), engavetada há meses no Planejamento. "Era um plano de desenvolvimento para a região sul do meu Estado", explica o parlamentar.
"O problema é que o Kandir mandou um funcionário de terceiro escalão assinar um fax dizendo que o projeto estava mantido. Assim, não vale. Tem de ser o ministro assinando", dizia Maluf. E assim foi. A máquina de fax do gabinete de Fetter Junior recebeu em seguida uma cartinha com a assinatura do titular do Planejamento.
"Viu? Tudo resolvido. Se não for assim, eu me uno ao Mário Covas em pelo menos uma coisa: peço a demissão do Kandir", divertia-se Maluf. "A partir de agora, serei o guardião dos interesses do PPB. Vou ficar no pé do governo."
Enquanto descrevia sua nova relação com o Planalto, o ex-prefeito paulistano acenava para quem estivesse no local. Agia como se fosse ele o único grande vitorioso da votação da reforma administrativa -o seu PPB havia dado 59 votos a favor da reforma (25,32% dos deputados do partido votaram contra ou não compareceram). Uma semana antes os pepebistas tinham dado 39 votos em outra votação importante.
Nesse momento, passou o deputado José Genoino (PT-SP). E gritou para que quem estivesse num raio de 20 metros ouvisse: "Aí hein, Maluf. Você salvou o FHC!" -risadas entre os parlamentares presentes.
Maluf passou um recibo à provocação na hora. Também em tom de voz elevado, para que todos o escutassem, respondeu: "Espera aí, meu querido Genoino. Eu não dei ao FHC o pretexto de dizer que não conserta a economia porque o Congresso não lhe dá condições. Só isso".
"Bregado, meu querido"
Essa pequena rusga com um petista foi exceção na passagem de Maluf por Brasília.
A expressão mais repetida pelo pepebista na sua incursão pela capital federal foi: "Bregado (sic), meu querido". Dizia isso para agradecer aos deputados do PPB que votaram a favor do governo FHC.
Com sua característica voz anasalada, abusava da ênfase na segunda sílaba da palavra "bregado" (obrigado). Falava alto pelos corredores do Congresso. Quem ouvia, mesmo sem enxergá-lo, sabia que estava por ali.
"Esse Maluf é o máximo. Ele fica dizendo 'bregado, bregado', e, com esse seu jeito, convence todo mundo", repetia o cicerone do pepebista no Congresso, o deputado Wigberto Tartuce (PPB-DF) -o mesmo que votou a favor da emenda da reeleição em janeiro dando "uma traidinha" no líder.
Maluf não era anteontem nem sombra do político que tentou ser o último presidente do regime militar. Ex-arenista, o hoje pepebista era disputado por deputados. Almoçou com o líder do PFL na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), e com o ministro de Assuntos Políticos, Luiz Carlos Santos. Cumprimentou quem passava pela sua frente. E não teve portas fechadas. Abria todas.
Ainda de manhã, quando era um mistério o resultado da votação, caminhou até o gabinete do senador Gilberto Miranda (PFL-AM), seu amigo pessoal. Foi logo entrando e lá encontrou um desafeto, o governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL).
Amazonino se portou como inimigo mortal de Maluf durante a votação da emenda da reeleição. Na época, o amazonense era do PPB e trabalhou contra a orientação do ex-prefeito. Rachou a bancada e acabou saindo do partido.
Maluf não se fez de rogado. Entrou na sala de Gilberto Miranda para abraçar um constrangido Amazonino. E ainda chamou fotógrafos para registrar a cena.
À noite, quando estava de fato consolidada a vitória do governo na votação da reforma administrativa, caminhou até o gabinete de Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), presidente do Senado.
Dez minutos de conversa depois, Maluf se aproveitou de uma decisão de ACM. "Vou até a Câmara", disse o senador. "Vou junto", emendou Maluf -que estava a caminho do seu hotel e já havia se despedido dos deputados minutos antes. Foi um ato bem calculado de marketing.
Maluf caminhou ao lado do senador pefelista. Sentaram-se juntos no plenário da Câmara. Uma penca de fotógrafos apareceu para registrar o factóide malufista. Eram quase 22h. Maluf fitava as câmeras procurando o melhor enquadramento. Sorria. Pedia para ACM fazer o mesmo. O senador olhava sem jeito.
Adversários contrariados
É claro que Maluf não foi uma unanimidade anteontem. Tucanos desdenhavam a participação do pepebista na votação da reforma administrativa.
"Por que não mandam o Maluf mudar o voto do Arnaldo Faria de Sá? Isso ele não consegue", dizia o deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP). Faria de Sá votou contra a reforma administrativa por achar que uma posição diferente o prejudicaria na campanha eleitoral do ano que vem.
"Acho que ele ajudou só com uns dez votos. O restante votaria de qualquer forma. E mais, se o PPB tivesse dado só os 39 votos que vinha dando até a semana anterior, ainda assim a emenda seria aprovada. Ou seja, sem o apoio do Maluf nós ganharíamos de qualquer jeito", afirmou o ex-líder do PSDB na Câmara José Aníbal (SP).
Na realidade, Maluf conhece a limitação do seu poder de fogo. Só não está preocupado com isso. Sabe que deixou a impressão de ter muito mais influência do que parecia ter.
Com essa estratégia de imagem que tem empregado, o pepebista se consolida na presidência do seu partido. E dá dois recados para o meio político.
Para o público externo, o ex-prefeito inventava frases divertidas como "faço de tudo para tirar o Fernando desse imbróglio". Jura que o seu interesse maior é dar ao governo meios para contornar a crise gerada pelo crash global das Bolsas de Valores.
Para o público interno, Maluf semeou dúvidas sobre quais são suas reais intenções eleitorais. A alguns chegou a dizer que não enxerga mais chances de FHC ser um candidato vitorioso em 98 na disputa pela Presidência da República.
Seja candidato a presidente -o que ele nega com a frase "já disse que apóio o Fernando Henrique"- ou concorrente ao governo paulista, Maluf tem mesmo tentado garantir a segunda opção. Ontem tinha agendadas visitas a 18 pequenas cidades do interior de São Paulo: "Já visitei 271 cidades até agora. Termino o mês com mais de 300".
No plano federal, o apoio a FHC continuará quando o ex-prefeito julgar conveniente do ponto de vista eleitoral. Por exemplo, o Planalto sabe que não precisa esperar um esforço dos malufistas na hora de aprovar o aumento de Imposto de Renda das pessoas físicas, contido no pacote fiscal.
Eis a explicação de Maluf: "O Romário ganha milhões e não paga imposto. O trabalhador ganha um pouquinho e sempre tem descontado o imposto na fonte. Eu ganho R$ 30 mil por mês da Eucatex e só caem uns R$ 21 mil e poucos na minha conta. O governo tem é que propor a cobrança de impostos de quem hoje não paga nada".

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